Por Letícia Vidica
Domingo era dia de almoço em família. Pelo menos, uma vez por mês, minha mãe fazia questão de reunir os três filhos em volta da mesa e comer a tradicional macarronada da mamma. E esse era o tipo de evento que eu não conseguia fugir, mesmo sabendo todo o script.
Os preparativos
O ritual era sempre o mesmo. Na segunda-feira, minha mãe ligava para que eu não esquecesse do almoço...
- Oi, filha, não esquece hein? Domingo tem almoço lá em casa...
- Pode deixar, mãe, eu não vou faltar.
Mesmo dizendo que essa data já estava anotada de caneta vermelha na folhinha do meu calendário, minha mãe insistia em me ligar sempre achando que eu ia esquecer.
Eu sempre era a última a chegar e logo ia ouvindo as broncas da minha mãe com seu avental sujo de molho, colher de pau nas mãos, guardanapo nos ombros ...
- Eu não disse que era meio-dia, Diana?! Você não tem jeito mesmo! – dizia ela me apertando a bunda e me dando um abraço
- Não está vendo a cara dela, mãe? Deve ter ido para a balada ontem...
Se não bastassem as broncas e cobranças da Dona Eunice, minha querida mãe, a Marisa, minha irmã mais velha, insistia em se achar no direito de me recriminar. Ela sempre foi a perfeitinha da família. Aos seus 35 anos, já era mãe de 3 lindos pestinhas: Gustavo, de 10 anos (o terrível), Ana Luísa, de 8 anos (o meu xodó) e Lucas, de 2 anos. Minha irmã era casada há 10 anos com o Arnaldo, meu querido cunhado. Gordo, dono de um posto de gasolina e pão duro.
- Esse almoço sai ou não sai?! – perguntava meu pai, Seu Matias – Minha menina!!
Eu sempre me dei melhor com o meu pai do que com a minha mãe. Na verdade, acho que ele sempre me paparicou mais e me entendia mais. Na adolescência, quando tinha uma crise logo corria para o colo dele e contava tudo. Até hoje, acho que ele é a única pessoa que me entende.
Ao ouvir a minha voz, os pestinhas vinham logo correndo...
- Tia Dianaaa... – caíam em cima de mim e a gente rolava feito criança no chão da sala. Eu era a tia maluquinha e querida deles (mesmo sendo a única!). Para agradar, eu sempre levava alguns doces para eles, que minha irmã só deixava comer depois do almoço. Mas, às vezes, a gente se escondia no quarto da Lurdinha, a empregada, e se empanturrava de chocolates antes da macarronada. Mesmo sendo uns pestinhas, eu amava meus sobrinhos.
O almoço
- Tá na mesa! – gritava minha mãe
- Ué, cadê o Paco? – perguntava
O Paco era o meu irmão caçula. Vagabundo nato a beira dos 25 anos. Não estudava, não trabalhava e vivia às custas dos meus pais. Acho que a única coisa boa que ele fez na vida foram seus dois filhos (gêmeos) – Davi e Mateus, nascidos de uma das escapadas dele. Eu mal via os dois, só quando a Lara (a mãe deles) resolvia vir cobrar pensão na casa de meus pais.
- Tô chegando, minha gente... e aí, maninha?
Quando todos conseguiam sentar na mesa que minha mãe montava no quintal, era uma zorra total. Um pedindo o macarrão, o outro o queijo, a Marisa brigando com o Gustavo para não puxar o cabelo da Luísa, minha mãe levantando sem parar da mesa porque ela sempre esquecia algo, o Arnaldo reclamando que estava cansado demais e pedindo para a Marisa fazer o prato dele, meu pai paparicando o Lucas, o Paco contando vantagens e eu no meio daquela minha família confusa.
- E aí, cunhada, vai casar quando? – esse era o tipo de pergunta que sempre me faziam e eu sempre me irritava
- No dia de São Nunca, cunhado... os homens não me querem...
- Também quem é o louco que vai querer você né? – dizia Paco
- Não fale assim, filho... fiz novena para Santo Antônio de novo, filha
- Mãe, eu já disse para parar de fazer essas coisas...
- E aquele carinha ... o ... o César? – perguntava Marisa
- Sumiu ...
- Porra, desiste maninha ...
- Poxa, gente, deixem a Diana em paz... quando tiver de ser será...
- Isso mesmo, pai... eu estou muito bem sozinha...
- Deve estar tendo um caso com aquelas suas amigas solteironas desesperadas...
- Olha como fala das minhas amigas, moleque! E você? Tá fazendo o quê da vida? Posso não ter namorado, mas trabalho, pago minhas contas e já saí da barra da saia do papai e da mamãe há muito tempo e não tenho filhos jogados no mundo ...
- Não sei por quê vocês insistem em chamar essa garota para comer aqui em casa... perdi a fome – disse Paco bancando o machão e levantando da mesa...
- Filho... filho
Nessa hora, minha mãe sempre ia correndo atrás do filhinho querido e ele voltava com o rabinho entre as pernas. Eu e o Paco nos dávamos bem, mas era nas brigas que a gente se entendia melhor. O almoço prosseguia como se nada tivesse acontecido.
As louças
A louça sempre sobrava para mim e a Marisa. Era nesse momento que a gente aproveitava para fofocar um pouco.
- Nunca mais apareceu lá em casa, o que houve?
- Aquela agência está me deixando louca... prometo que vou aparecer mais... mas e você parece meio triste ...
- Acho que o Arnaldo está me traindo! – dizia Marisa com lágrimas nos olhos
- Traindo?!
- Fale baixo, ainda não tenho certeza... semana passada, ele chegou tarde e eu encontrei marcas de batom na blusa lá do posto...
- Nossa, estou bege... traição não é uma coisa que faz muito o tipo do Arnaldo, mas fique atenta e se precisar de mim, posso segui-lo se quiser...
- Não é pra tanto, Di... – essa não era a primeira vez que a Marisa suspeitava do Arnaldo, mas ela nunca tinha coragem para prosseguir a investigação. Acho que ela preferia ser a corna feliz. E não era eu que ia incentivá-la, já me basta o título de ovelha negra da família.
Recordações
Empanturrada de macarronada, ainda tinha o pudim de sobremesa. E esse não tinha como resistir. Sentados na sala, comendo aquela delícia, meu pai nos reunia para relembrar os velhos tempos e matar a saudade do tempo em que éramos mais jovens e vivíamos todos na mesma casa.
Minha mãe pegava a maleta com as fotografias e a gente passava a tarde a rir e a chorar com aquelas fotos antigas e com as histórias do meu pai. Meus sobrinhos se divertiam rindo da nossa cara ou tentando rasgar alguma foto...
- Nossa, lembra dessa foto? – dizia Marisa
- Uau... foi nossa viagem à Ilhabela lembra? Nos divertimos à beça...
Apesar de toda minha independência, essas fotos me levavam a um tempo o qual eu tinha muita saudade. Quando podia voltar para casa e me reconfortar no colo do meu pai ou da minha mãe. Eu saí de casa aos 18 anos quando passei no vestibular. Cursei os primeiros anos numa faculdade no interior e terminei os outros na capital, mas peguei gosto por morar sozinha e , mesmo sob recriminações de todos, provei que podia me virar sozinha.
O fim
Os almoços terminavam quase sempre no mesmo horário. Religiosamente, às nove horas da noite. A Marisa reunia os pimpolhos, que nunca queriam ir embora, e era a primeira a dar o toque de recolher...
- Vamos galerinha... amanhã tem aula...
A criançada beijava todo mundo, faziam um pouco de manha, mas iam embora contentes e terríveis.
O segundo a partir era o Paco. Sempre chegava algum dos seus amigos de vagabundagem e o levavam para a balada.
- Falow, velhos, tô indo...
- Onde é a balada hoje?
- Abriu uma nova aqui perto, preciso conferir né?
- Juízo.
Ele me beijava e caía na noite.
Eu era sempre a última. Meus pais aproveitavam para investigar um pouco mais da minha vida...
- Já consertou a geladeira, Diana?
- Essa semana o homem vai lá em casa, mãe– mesmo não morando na mesma casa, minha mãe sabia muito mais sobre o meu apartamento do que eu.
- Tem comido direito? Leva um pouco de comida daqui... sobrou bastante
E lá ia ela preparar a minha marmita do mês. Nessa hora, meu pai deitava minha cabeça em seu colo, acariciava meus cabelos como quando de pequena e perguntava...
- E o emprego?
- Preciso sair de lá, pai... tenho que ganhar mais.
- Se cuida viu, filha... não caia em conversa mole de homem vagabundo e nem enfie um qualquer na sua casa.
- Pode deixar, pai...
Nessa hora, minha mãe chegava com a marmita. Eu beijava os dois. Ela me dava mais algumas broncas e eu ia embora na ânsia de mais uma almoço em família...
Papo de calcinha: Todo almoço de família sempre dá uma boa história para contar, qual é a sua?
Domingo era dia de almoço em família. Pelo menos, uma vez por mês, minha mãe fazia questão de reunir os três filhos em volta da mesa e comer a tradicional macarronada da mamma. E esse era o tipo de evento que eu não conseguia fugir, mesmo sabendo todo o script.
Os preparativos
O ritual era sempre o mesmo. Na segunda-feira, minha mãe ligava para que eu não esquecesse do almoço...
- Oi, filha, não esquece hein? Domingo tem almoço lá em casa...
- Pode deixar, mãe, eu não vou faltar.
Mesmo dizendo que essa data já estava anotada de caneta vermelha na folhinha do meu calendário, minha mãe insistia em me ligar sempre achando que eu ia esquecer.
Eu sempre era a última a chegar e logo ia ouvindo as broncas da minha mãe com seu avental sujo de molho, colher de pau nas mãos, guardanapo nos ombros ...
- Eu não disse que era meio-dia, Diana?! Você não tem jeito mesmo! – dizia ela me apertando a bunda e me dando um abraço
- Não está vendo a cara dela, mãe? Deve ter ido para a balada ontem...
Se não bastassem as broncas e cobranças da Dona Eunice, minha querida mãe, a Marisa, minha irmã mais velha, insistia em se achar no direito de me recriminar. Ela sempre foi a perfeitinha da família. Aos seus 35 anos, já era mãe de 3 lindos pestinhas: Gustavo, de 10 anos (o terrível), Ana Luísa, de 8 anos (o meu xodó) e Lucas, de 2 anos. Minha irmã era casada há 10 anos com o Arnaldo, meu querido cunhado. Gordo, dono de um posto de gasolina e pão duro.
- Esse almoço sai ou não sai?! – perguntava meu pai, Seu Matias – Minha menina!!
Eu sempre me dei melhor com o meu pai do que com a minha mãe. Na verdade, acho que ele sempre me paparicou mais e me entendia mais. Na adolescência, quando tinha uma crise logo corria para o colo dele e contava tudo. Até hoje, acho que ele é a única pessoa que me entende.
Ao ouvir a minha voz, os pestinhas vinham logo correndo...
- Tia Dianaaa... – caíam em cima de mim e a gente rolava feito criança no chão da sala. Eu era a tia maluquinha e querida deles (mesmo sendo a única!). Para agradar, eu sempre levava alguns doces para eles, que minha irmã só deixava comer depois do almoço. Mas, às vezes, a gente se escondia no quarto da Lurdinha, a empregada, e se empanturrava de chocolates antes da macarronada. Mesmo sendo uns pestinhas, eu amava meus sobrinhos.
O almoço
- Tá na mesa! – gritava minha mãe
- Ué, cadê o Paco? – perguntava
O Paco era o meu irmão caçula. Vagabundo nato a beira dos 25 anos. Não estudava, não trabalhava e vivia às custas dos meus pais. Acho que a única coisa boa que ele fez na vida foram seus dois filhos (gêmeos) – Davi e Mateus, nascidos de uma das escapadas dele. Eu mal via os dois, só quando a Lara (a mãe deles) resolvia vir cobrar pensão na casa de meus pais.
- Tô chegando, minha gente... e aí, maninha?
Quando todos conseguiam sentar na mesa que minha mãe montava no quintal, era uma zorra total. Um pedindo o macarrão, o outro o queijo, a Marisa brigando com o Gustavo para não puxar o cabelo da Luísa, minha mãe levantando sem parar da mesa porque ela sempre esquecia algo, o Arnaldo reclamando que estava cansado demais e pedindo para a Marisa fazer o prato dele, meu pai paparicando o Lucas, o Paco contando vantagens e eu no meio daquela minha família confusa.
- E aí, cunhada, vai casar quando? – esse era o tipo de pergunta que sempre me faziam e eu sempre me irritava
- No dia de São Nunca, cunhado... os homens não me querem...
- Também quem é o louco que vai querer você né? – dizia Paco
- Não fale assim, filho... fiz novena para Santo Antônio de novo, filha
- Mãe, eu já disse para parar de fazer essas coisas...
- E aquele carinha ... o ... o César? – perguntava Marisa
- Sumiu ...
- Porra, desiste maninha ...
- Poxa, gente, deixem a Diana em paz... quando tiver de ser será...
- Isso mesmo, pai... eu estou muito bem sozinha...
- Deve estar tendo um caso com aquelas suas amigas solteironas desesperadas...
- Olha como fala das minhas amigas, moleque! E você? Tá fazendo o quê da vida? Posso não ter namorado, mas trabalho, pago minhas contas e já saí da barra da saia do papai e da mamãe há muito tempo e não tenho filhos jogados no mundo ...
- Não sei por quê vocês insistem em chamar essa garota para comer aqui em casa... perdi a fome – disse Paco bancando o machão e levantando da mesa...
- Filho... filho
Nessa hora, minha mãe sempre ia correndo atrás do filhinho querido e ele voltava com o rabinho entre as pernas. Eu e o Paco nos dávamos bem, mas era nas brigas que a gente se entendia melhor. O almoço prosseguia como se nada tivesse acontecido.
As louças
A louça sempre sobrava para mim e a Marisa. Era nesse momento que a gente aproveitava para fofocar um pouco.
- Nunca mais apareceu lá em casa, o que houve?
- Aquela agência está me deixando louca... prometo que vou aparecer mais... mas e você parece meio triste ...
- Acho que o Arnaldo está me traindo! – dizia Marisa com lágrimas nos olhos
- Traindo?!
- Fale baixo, ainda não tenho certeza... semana passada, ele chegou tarde e eu encontrei marcas de batom na blusa lá do posto...
- Nossa, estou bege... traição não é uma coisa que faz muito o tipo do Arnaldo, mas fique atenta e se precisar de mim, posso segui-lo se quiser...
- Não é pra tanto, Di... – essa não era a primeira vez que a Marisa suspeitava do Arnaldo, mas ela nunca tinha coragem para prosseguir a investigação. Acho que ela preferia ser a corna feliz. E não era eu que ia incentivá-la, já me basta o título de ovelha negra da família.
Recordações
Empanturrada de macarronada, ainda tinha o pudim de sobremesa. E esse não tinha como resistir. Sentados na sala, comendo aquela delícia, meu pai nos reunia para relembrar os velhos tempos e matar a saudade do tempo em que éramos mais jovens e vivíamos todos na mesma casa.
Minha mãe pegava a maleta com as fotografias e a gente passava a tarde a rir e a chorar com aquelas fotos antigas e com as histórias do meu pai. Meus sobrinhos se divertiam rindo da nossa cara ou tentando rasgar alguma foto...
- Nossa, lembra dessa foto? – dizia Marisa
- Uau... foi nossa viagem à Ilhabela lembra? Nos divertimos à beça...
Apesar de toda minha independência, essas fotos me levavam a um tempo o qual eu tinha muita saudade. Quando podia voltar para casa e me reconfortar no colo do meu pai ou da minha mãe. Eu saí de casa aos 18 anos quando passei no vestibular. Cursei os primeiros anos numa faculdade no interior e terminei os outros na capital, mas peguei gosto por morar sozinha e , mesmo sob recriminações de todos, provei que podia me virar sozinha.
O fim
Os almoços terminavam quase sempre no mesmo horário. Religiosamente, às nove horas da noite. A Marisa reunia os pimpolhos, que nunca queriam ir embora, e era a primeira a dar o toque de recolher...
- Vamos galerinha... amanhã tem aula...
A criançada beijava todo mundo, faziam um pouco de manha, mas iam embora contentes e terríveis.
O segundo a partir era o Paco. Sempre chegava algum dos seus amigos de vagabundagem e o levavam para a balada.
- Falow, velhos, tô indo...
- Onde é a balada hoje?
- Abriu uma nova aqui perto, preciso conferir né?
- Juízo.
Ele me beijava e caía na noite.
Eu era sempre a última. Meus pais aproveitavam para investigar um pouco mais da minha vida...
- Já consertou a geladeira, Diana?
- Essa semana o homem vai lá em casa, mãe– mesmo não morando na mesma casa, minha mãe sabia muito mais sobre o meu apartamento do que eu.
- Tem comido direito? Leva um pouco de comida daqui... sobrou bastante
E lá ia ela preparar a minha marmita do mês. Nessa hora, meu pai deitava minha cabeça em seu colo, acariciava meus cabelos como quando de pequena e perguntava...
- E o emprego?
- Preciso sair de lá, pai... tenho que ganhar mais.
- Se cuida viu, filha... não caia em conversa mole de homem vagabundo e nem enfie um qualquer na sua casa.
- Pode deixar, pai...
Nessa hora, minha mãe chegava com a marmita. Eu beijava os dois. Ela me dava mais algumas broncas e eu ia embora na ânsia de mais uma almoço em família...
Papo de calcinha: Todo almoço de família sempre dá uma boa história para contar, qual é a sua?
Um comentário:
AMEIIIIII!!!!! Parabéns!!! Super divertido e leve.
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