quinta-feira, outubro 22, 2009

RATA DE PROMOÇÃO


Por Letícia Vidica

'Não, eu não vou olhar'. 'Se segura, Diana. Você vai resistir...'. 'Ai, meu Deus, que tortura chinesa'. 'Ai, não deu'. Entrei, provei, comprei. A cena era sempre a mesma quando eu me deparava com uma loja de sapatos. Eu sou fanática por sapatos. E quando passo em frente a uma loja parece que um imã me suga e eu não consigo resistir. Pior do que ser megalomaníaca por sapatos, eu sou tarada por promoção. Sou uma rata de promoção. Mas que mulher não é?

Maldito o bisavô do Aurélio que inventou essas palavrinhas mágicas: PROMOÇÃO, LIQUIDAÇÃO, 50% DE DESCONTO. E pior ainda esse primo lorde inglês que deu uma gabaritada nas palavras as deixando ainda mais atraente. OFF. Essa palavrinha soa como música aos meus ouvidos.

E aquele era mais um daqueles dias que eu não tinha conseguido resistir aos sapatos. Vi um par lindo que eu tanto estava namorando e em promoção?! Eu tinha que entrar e comprar. Seria um crime se eu não tivesse feito isso. Entrei, comprei e pronto. E que importância faz se eu já tinha um igual, mas era de outra cor né?

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- Que sapato lindo, Di - babava Lili nos meus pezinhos graciosos naquele sapato
- Comprei essa semana. Não resisti. Em promoção, gente?! Tive que comprar. Cartãozinho de crédito nele , 10 vezes sem juros...
- Depois reclama que fica toda endividada... - resmungava a sobrinha do Tio Patinhas, Betina Maria
- O que importa é ser feliz, Betina! Dessa vida é isso que a gente leva...depois a gente vê como paga...
- Eles são lindos mesmo, mas ... peraí, você não tem um vermelho desses?
- É, Lili, pois é...eu tenho um preto e um vermelho...mas eu não tinha o roxo né? Vai combinar direitinho com um brinco que eu tenho...
- Diana, qualquer dia você vai ter que sair de casa para os seus sapatos entrarem!!!
- Meninas, sábado vai rolar um bazar de multimarcas irado...só marcas internacionais...vamos né?
- Nem precisa insistir...eu tô dentro!
- Podem me incluir fora dessa. Ficar naquela loucura se estapeando por uma roupa?! Deus me livre.
- Depois reclama que só tem roupa velha. Você está intimada a ir conosco, Betina. Você tá precisando urgentemente renovar o seu guarda roupa. - intimava Lili porque ela até podia não entender os homens, mas de moda ela entendia.

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- Gata, vamos para praia amanhã tá? - intimava o meu querido namorado Pierre esparramado no meu sofá naquela noite quente de sexta-feira.
- Como assim?! E você me avisa agora? Eu não vou.
- E posso saber porque?
- Tenho um compromisso inadiável amanhã...
- E posso saber com quem?
- Amanhã vai rolar um mega bazar e eu vou com as meninas. Não posso perder.
- E deixar de ir para praia comigo você pode? Diana, comprar roupa para quê?
- Como para quê? Eu estou praticamente pelada...não tenho nada para vestir...além do mais eu nunca perco uma promoção.
- Depois fica chorando as pitangas para mim que não tem dinheiro para pagar o cartão, né?
- Vai ficar jogando na cara agora é? Pode deixar que eu me viro para pagar as minhas contas ok?
- Não precisa ficar brava...só acho que você anda gastando demais com roupa...nunca vi...porque mulher tem essa mania de comprar roupas sem parar?
- Talvez porque a gente não queira ser como vocês...sempre a mesma bermuda bege e a camiseta branca...e você não tinha que reclamar não...eu quero ficar bonita para você...
- Linda, até de trapo você fica bonita ok? E aí vamos à praia?
- Posso até ir...mas só depois que eu comprar um biquini lindo que eu já vi e está com 30% de desconto...

Não adiantava. Nem pelo Pierre eu perco uma promoção.

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Sábado. 30 graus. Seis horas da manhã. Eu, Lili e Betina já estávamos com o pé na estrada rumo às compras. Eu e a Lili seguíamos alegre a cantar a imaginar o que compraríamos no bazar. A Betina, com os seus óculos escuros, permaneceu bicuda e calada o tempo todo. Quando abria a boca era para reclamar do calor, da demora e da loucura que ela estava fazendo por nós.

Depois de duas horas de estrada chegamos ao Outlet. Foram mais 30 minutos para achar uma vaga no estacionamento e mais uma hora em pé na fila esperando a porta da esperança abrir. Mas vale tudo para comprar né?

- Gente, vamos embora. Olha isso...a gente não vai conseguri comprar nem uma calcinha.
- Larga mão de ser chata, Betina. Até parece que eu não vou embora justo agora. - dizia Lili
- Parem de brigar e vamos logo que a porta abriu.

O portão abriu e parece uma boiada em disparada. Loucura total. Tropecei no pé de alguém, quase perdi a bolsa e me perdi das meninas, mas conseguimos nos reencontrar e entramos na nossa loja preferida a Mary's. Acho que dei soco numas dez, pisei no pé de umas vinte, até briguei com uma loura empinada por causa de uma blusinha que eu peguei primeiro e a folgada ainda hesitou que a blusa não serviria em mim?

Depois de beliscões, empurrões, pisadas no pé, muito calor e três horas na disputa por boas roupas e baratas, consegui sair de lá cheia de sacolas e feliz da vida.

- Ué cadê suas sacolas, Betina?
- Vocês acharam mesmo que eu ia me estapear nesse lugar?
- E perder a oportunidade de comprar uma Mary's com 90% de desconto? Você é maluca mesmo, Bê...mas não se preocupe. A gente comprou umas roupitchas novas para você.

Entramos no carro e enfrentamos mais duas horas de viagem felizes da vida e satisfeitísimas pela economia ilusória que fizemos, mas valeu a pena. E uma promoção sempre valerá. Aguardo a próxima!

PAPO DE CALCINHA: E você, também é louca por uma promoção?

quarta-feira, outubro 14, 2009

DISCUTINDO A RELAÇÃO


Por Letícia Vidica

Crise...eu sempre ouvi falar que todo casal - seja namorado, casado, enrolado ou amante - um dia vai passar por uma crise. Seja hoje, amanhã ou depois, mas ela vai chegar. E a minha havia chegado. E num momento como esse nada melhor do que conversar e beber umas cervejas (na ordem que você quiser) com suas melhores amigas...

- Que cara é essa, Diana? - perguntava Betina percebendo que eu não estava nada bem
- Meu namoro está uma merda!! - eu disse ao dar o último gole na cerveja e bater o copo com força na mesa.
- Nossa, mas o que o Pierre fez?
- Esse é o problema, Lili...o Pierre não fez nada...não faz nada...
- Então eu não tô entendendo, Diana... você está querendo terminar o seu namoro, é isso?
- Ai, Bê...eu não sei...não é isso...eu gosto do Pierre, mas tá tudo muito na mesma, a mesmice de sempre sabe? O mesmo beijo, os mesmos filmes, as mesmas meias amarelas que ele usa deitado no sofá de casa, as mesmas posições...esse mesmo do mesmo tá me irritando...sem contar que eu não aguento mais ver ele enfurnado na minha casa.
- Quem não te conhece que te compre hein, Diana?! Nunca vi pessoa mais confusa.

Minhas amigas estavam certas. Eu estava confusa. Ou melhor, nós mulheres somos confusas. Queremos sempre aquilo que não nos dão e se nos dão não queremos mais. Se tenho o preto quero o branco, se tá gelado quero quente, se está inverno quero verão... Ai, meu Deus, bem que Eva poderia ter facilitado né?

Eu e o Pierre estávamos juntos há um ano e meio e parecia (pelo menos para mim) que a gente tinha caído na rotina. Tudo que eu sempre odiei (e temi!!!) num relacionamento era a rotina. Já vi muitos relacionamentos que morreram por causa dela. No começo, nosso namoro foi fogo, paixão, surpresas, novidades. Só que agora a gente parecia um casal que acaba de completar bodas de ouro e com sua vidinha programada. Nos víamos nos mesmos dias de sempre, nos falávamos na mesma hora cotidiana, ele sempre chegava na minha casa e fazia as mesmas coisas, até na cama a gente já não inventava mais (será que eu já tinha testado todas as posições do Kama Sutra?). O que eu sabia é que daquele jeito não dava mais para ficar.

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Domingo. Três horas da tarde. Como sempre, o Pierre estava deitado de meias amarelas no sofá da minha casa embaixo do meu edredon preferido de infância zapeando de canal. Como sempre, ele pediria que eu sentasse do ladinho dele, fizesse cafuné, o clima ia esquentar e a gente ia transar até o jogo do Corinthians começar. Foi dito e feito.

- Amore - pediu com voz de gatinho manhoso - senta aqui do meu ladinho e me faz um cafuné
- Não quero. Não tô afim - eu dizia debruçada na sacada do apartamento enquanto olhava o movimento na rua para ver se me animava um pouco
- Mas você sempre faz isso?! - questionava o gato manhoso com voz de criança mimada
- Por isso mesmo. A gente sempre faz isso.
- Não tô te entendendo, Diana...o que foi que eu fiz?
- Nada, Pierre, você nunca faz nada.
- Você está de TPM?
- Caramba, meu Deus...será que nós mulheres não temos o direito de ficarmos com a pá virada sem estar de TPM?!
- Claro que tem desde que eu entenda o porquê você está tão irritada assim.
- Será que você não percebe que estamos vivendo uma crise, Pierre?
- Crise?! Que crise? Eu não estou vendo crise nenhuma...isso deve ser coisa da sua cabeça, Diana.
- É sempre coisa da minha cabeça né?
- Quer saber de uma coisa? Eu vou embora e amanhã a gente conversa quando você estiver mais calma.
- Ahá...homens, homens...são todos iguais. Sempre saindo pela culatra para evitar discutir a relação né? Mas tudo bem...pode ir...vai, mas vai e só volte quando eu pedir.

Pierre me olhou com olhos de raiva e de quem também não estava entendendo o porquê tinha sido o alvo, pegou suas coisas e saiu batendo a porta sem dizer nada. Eu sei que eu estava colocando em jogo o meu namoro e que ele poderia nunca mais voltar, mas eu precisava nos testar. Uma coisa eu aprendi nos tombos que levei na vida: homens só agem sob pressão. Quem sabe assim o Pierre ia parar e repensar o nosso relacionamento? Ou então ia acordar e ver que a gente estava precisando de mais cor?

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Duas semanas se passaram e o Pierre tinha sumido do mapa. Nenhum telefonema, nenhum email, nenhum scrap ou sinal de fumaça. Confesso que já estava achando tudo aquilo muito estranho. Será que ele tinha desistido de mim?

- Diana, pelo amor de Deus, para de comer chocolates!! - brigava Betina enquanto eu me empanturrava de uma caixa de bis deitada no sofá
- Os chocolates são a única coisa que curam minha carência.
- Carência? Me poupe, Diana...foi você quem escurraçou o Pierre da sua vida
- Eu não escurracei o Pierre!!!!...eu apenas pedi um tempo ...só isso!
- E se você pediu o tempo porque tá com essa cara de enterro?
- Porque eu tenho confessar que ele está fazendo falta.
- Liga para ele.
- Mas eu não queria que fosse assim. Ele tem que se tocar que a gente está em crise e que precisamos melhorar.
- Diana, você depois de trocentos relacionamentos ainda não aprendeu que os homens não tem sexto sentido e por isso nunca enxergam que estão numa crise se a gente não disser?

A Betina estava certa, apesar de relutar por uma semana eu tive que dar o primeiro passo e ligar para o Pierre. Combinamos de nos encontrar na sexta à noite na minha casa. Ele chegou pontualmente e com uma cara não muito boa.

- Pode falar, Diana - como eu odeio esse ar de superioridade que os homens tem o dom de assumir quando a gente vai ter uma DR - discussão de relacionamento
- Acho que a gente precisa conversar né? - eu disse com voz meiga e doce para amansar o clima
- Por isso mesmo eu estou aqui...pode falar...sou todo ouvidos - respondeu Pierre com o seu pior grau de arrogância, mas eu não podia cair no jogo dele.
- Acho que você não deve ter entendido nada do que eu fiz, mas era necessário. Eu gosto muito de você, mas a gente está passando por uma crise e isso não dá para negar. Será que você não vê? Nós não somos mais aquele casal cheio de vida , de energia, de tesão...lembra como a gente era? A gente se perdeu...descumprimos a promessa de que não cairíamos na rotina, mas a gente caiu...eu sei que a culpa não é só sua...é minha também...mas me irritou muito o fato de você achar que estava tudo bem.
- Olha, Diana, eu ainda não sou adivinha. Esse dom, infelizmente, Deus não me deu (ele nem precisava falar isso. Eu já sabia). Tudo bem que você ache que a gente já não é o mesmo, achei que isso era normal. Acontece com todos os casais. E teria sido bem melhor se ao invés de me expulsar da sua casa como uma blusa velha que você não quer mais usar...se a gente tivesse conversado. Como agora. Como dois adultos.
- Eu sei que eu posso até ter sido infantil, Pi...mas eu não sei o que me deu...na hora subiu aquela raiva, aquele desespero de sair da mesmice que foi a primeira reação que eu tive...mas essas três semanas longe de você me fizeram pensar e eu descobri que viver na mesmice é ficar sem você.
- Eu também pensei muito nesses dias e cheguei a conclusão, Diana, que eu preciso de um tempo.

Como assim ele precisava de um tempo?! Ele tinha que me lascar um beijo, dizer que me ama, pegar as flores no carro e fazermos amor desesperadamente no chão da minha sala. Dizer que queria um tempo não fazia parte do script. Mas infelizmente a vida não é um filme.

- Tudo bem, eu entendo. Vou respeitar o seu tempo. E quando você chegar a uma conclusão espero que eu possa ser comunicada.

Nos abraçamos num tom de último abraço e ele saiu pela mesma porta que eu o expulsei. Riam. Podem rir...eu sei que estava provando do meu próprio veneno. Mas poxa, ele poderia ter facilitado né?

- Facilitar, Diana?! Me poupe...você cria uma crise entre vocês que nem existia...ela realmente aparece, você enxota o cara da sua vida e espera que ele te receba jogando rosas de helicópteros na varanda da sua casa?
- Você bem que podia ser menos realista né, Betina?
- Se eu fosse você corria atrás dele...esse negócio de tempo só vai fazer ele escapar e se afastar de você.
- E onde fica o meu orgulho, Lili? Eu disse a ele que respeitaria o tempo e preciso cumprir a promessa por mais duro que seja.

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E duro foi...o Pierre desapareceu da minha vida por um mês. Ficou incomunicável. Até a Dona Mary, minha sogra, me ligou algumas vezes para entender o que estava acontecendo, mas se nem eu estava entendendo como eu ia fazê-la entender, você me entende? Cheguei a pensar que meu namoro realmente tinha chegado ao fim e por culpa minha. Não, não era culpa minha. Era culpa nossa. Culpa do nosso orgulho, da rotina que nos enfiamos, do nosso cotidiano que nos matou e da nossa falta de coragem de dar o braço a torcer.

Foi num dia desses desesperançado da vida que o Pierre apareceu na minha casa. Estava com um semblante enigmático. Desses que só os homens conseguem fazer. Tentei disfarçar, mas meu coração acelerou. Era a hora da decisão final...

- Posso entrar? - perguntava Pierre num certo tom de formalidade
- Claro...fique à vontade...você nem precisa pedir. Quer um café, uma água? - é incrível como a gente fica sem saber o que falar, perde o tom , fica parecendo barata tonta na frente de uma pessoa que até ontem era tão íntima
- Não, não quero nada não.
- Então...
O silêncio prevaleceu. O Pierre esfregou as mãos suadas de nervoso e eu fiquei ali esperando que ele dissesse algo.
- Olha, Diana...eu pensei muito na gente esses dias...
- Ah que bom...e pensou o quê? - fala, fala logo
- Pensei e cheguei a conclusão de que você está certa.
Eu certa? Certa do quê meu Deus...
- A gente realmente se perdeu e não percebeu. Eu não tinha reparado que tudo estava na mesmice como você me disse...agradeço por me fazer enxergar isso...a mesmice cansa mesmo né?
- E como...
- Mas eu gosto dela.
Já vi tudo...
- Eu gosto de acordar todos os dias depois de ter sonhado com a mesma mulher, de ligar pela manhã e dar bom dia para a mesma mulher, de me acabar de prazer suado nos braços da mesma mulher, de beijar, abraçar e chorar nos braços da mesma mulher. Eu gosto da sua mesmice, Diana. Mas o que me preocupa é que eu acho que você já não gosta mais da minha mesmice.

Naquele momento, um punhal cravou meu peito e eu fiquei sem palavras, sem ar e sem saber o que dizer. O Pierre com toda a sua objetividade masculina tinha chegado a melhor conclusão de toda a minha vida. Eu não tinha parado para pensar nisso...

- Não fale besteira, Pierre...
- Não é besteira, Diana. Seja sincera. O nosso problema é que somos os mesmos e talvez a mesmice que te incomoda seja a mesmice de ter o mesmo homem por tanto tempo. Será que você está preparada para isso? Um ano e meio com o mesmo homem não é fácil.
- Desse jeito você está me ofendendo, Pierre.
- Não é isso que eu quero...só quero saber se você ainda gosta da minha mesmice...porque eu posso até mudar, te encher de rosas, fazermos sexo em locais inusitados...mas ainda serei o mesmo Pierre.

O Pierre conseguiu atingir o meu ponto fraco. O problema de toda nossa relação estava no fato de eu estar tanto tempo com o mesmo cara. Eu - que era uma pessoa tão inconstante na busca incessante pelo príncipe - e agora quando acho quero pular do cavalo?!

- Olha, Pierre...realmente não é fácil para mim ficar tanto tempo com uma única pessoa. Você sabe muito bem que por anos eu pulei de galho em galho...mas se eu pulei não era porque eu gosto disso ou não goste de mesmice...é porque simplesmente eu não tinha encontrado ninguém como você...e em toda a minha loucura de mulher acho que me assustei um pouco com o fato de que eu achei o meu ponto de parada e isso me assustou um pouco que eu comecei a exigir a inconstância dos meus relacionamentos nada duradouros...mas que adianta viver de sonho se ele é em vão né?

Nos olhamos, nos aproximamos e nos beijamos com o mesmo ardor da primeira vez. Naquele beijo que era tão o mesmo mas ao mesmo tempo tão diferente, eu percebi que eu amo a mesmice do Pierre.

Confesso que aquela crise reacendeu o nosso amor. Nos acostumamos com as nossas mesmices e continuamos felizes para sempre. Ou pelo menos até a próxima crise nos pegar?

PAPO DE CALCINHA: Qual foi a pior crise que você já passou? Como superou essa DR?

segunda-feira, outubro 05, 2009

CADA UM NO SEU QUADRADO


Por Letícia Vidica


Aquele era um dos meses que minha conta bancária estava sorrindo. Eu havia recebido uma bonificação bem gordinha, por sinal, por um trabalho que fiz na agência. Por isso, resolvi aplicar a grana na reforma do meu apartamento que há muitos anos estava com a mesma cara, o mesmo tapete, a mesma parede e mesmo do mesmo me irrita profundamente. Resolvi radicalizar e reformar. Só tinha um probleminha. Eu teria que sair para que a reforma entrasse e para onde eu iria?

- Ai, amiga, você pode ficar lá em casa se quiser...vou adorar ter uma companhia para conversar - oferecia gentilmente Lili a sua casa.

Apesar do convite ter sido feito de forma tão doce e sutil, eu tive que recusar. Eu não aguentaria passar um mês entre as brigas e vai e vem da Lili e o Otávio. Docemente eu recusei.

- Di, se quiser já sabe né? Meu apê é pequeno, mas parece coração de mãe. - oferecia Betina com aquele seu jeito despojado.

Mesmo sabendo que eu e a Betinha tinhamos muito em comum e que eu escaparia das brigas da Lili e do seu sapo príncipe, sei muito bem o gênio que a Betina tem e seria briga na certa. Somos amigas, mas cada uma no seu quadrado é melhor.

- Diana, que história é essa de que você vai reformar o seu apartamento e não me fala nada?

Nem preciso dizer que era minha mãe me ligando e me cobrando porque eu não avisei que ia reformar minha casa. Apesar de estar fora da casa dos meus pais há anos, minha mãe ainda acha que tem domínio sobre a minha vida e fica desapontadíssima se eu não aviso a ela sobre os meus passos.

- Agora não vai me dizer que não vir para cá né?

Seria uma ofensa dizer não para a minha mãe, mas preferi ofendê-la do que passar um mês em meio a guerra.

- Gata, fica lá em casa. Não tem problema...
- Ah, Pi, mas e a sua mãe?
- Tá tudo certo...já falei com ela. Ela topou e já está te esperando.

Resolvi fazer as malas e me mudar para casa do Pierre. Achei que ia ser uma boa idéia, afinal de contas seria um mês mais próxima do meu gatinho. Não tinha como ser uma cilada, tinha?

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Cheguei de mala e cuia na casa do Pierre. A mãe dele me recebeu super bem como era de praxe. Me instalei no quarto do Pierre e na primeira semana bem que eu estava gostando da experiência. Trocávamos confidências, a mãe dele me tratava com o se eu fosse a filha que ela nunca teve, era Diana para cá, Didi pra lá, mandava a Neide (a cozinheira) todos os dias fazer o cardápio à minha moda. Confesso que até me espantei com tanta hospitalidade...

- Diana, meu amor, desça logo para comer porque eu mandei a Neide preparar um salmãozinho que eu sei que você ama!!!
- Hmmm...que delícia...não precisa tanto...
- Desse jeito eu vou ficar com ciúmes, mãe - lamentava Pierre com ciúmes do tratamento da mãe comigo.

Porém, tudo que é bom dura pouco né e com o passar dos dias aquela cordialidade toda começou a me sufocar...

...certo dia cheguei em casa (ou melhor na casa do Pierre) cansada, estressada depois de um dia estafante de trabalho. Subi para tomar banho e quando entrei no quarto cadê a minha mala? Minhas coisas haviam sumido!!!!

- Neide, você viu as minhas coisas?
- Ah, a patroa pediu que eu arrumasse no armário... e eu coloquei umas roupas para lavar também. Ah e sabe aquela sua jaquetinha rosa que estava na cadeira? A Meg comeu!!

Detalhe: quase todas as minhas roupas estavam lavando. Será que eu sou tão suja assim? Se não bastasse minhas roupas terem virado alimento da cachorrinha e estarem todas na lavanderia, minha querida sogra simplesmente se deu o direito de fazer uma triagem nas minhas roupas e mandou algumas para reforma, outras foram para o bazar beneficente das donas de casa sem nada para fazer , ganhei outras novas, ou seja, invasão total de privacidade. Tentei engolir essa, desceu com gosto amargo, demorei para digerir mas não quis criar conflitos porque eu era apenas uma visita e briga com sogra é coisa que toda nora deve evitar.

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- Ai, meninas, ainda bem que vocês puderam me ver. Eu precisava respirar.
- Nossa, Diana, o que foi?
- Ai, Lili, eu não aguento mais a mãe do Pierre. A veia simplesmente está me sufocando.
- Eu disse para você ficar lá em casa, mas você preferiu ficar na casa do gatinho!!!
- E eu ia adivinhar que ela era louca e sufocadora, Betina?!
- Mas o que aconteceu?
- Aconteceu que eu não tenho mais liberdade. Acreditam que ela reformou todo o meu guarda roupa? Jogou minhas roupas fora porque achou que estavam velhas e bregas. O que aquela perua entende de moda?! Deu aquele meu vestido de bolinhas retrô que eu amo para o bazar beneficente daquelas velhas sem ter o que fazer?!! Ai, meninas, vocês precisam ir no bazar recuperar o meu vestido!!! Sem contar que ela controla a hora que eu chego, que eu levanto, que eu saio, que eu como...fica ouvindo conversas minhas e do Pierre atrás da porta...eu não aguento mais...
- E o Pierre?
- Ah, o Pierre...ele é um palerma...não faz nada...só diz para eu ter calma que a mãe dele só quer me agradar...é mãe né? Ele nunca vai ficar contra ela.
- Então porque você não arranja uma desculpa e fica lá em casa?
- Ai, obrigada, Lili...mas eu não posso sair assim e só faltam duas semanas para reforma acabar... eu vou ter que aguentar esse inferno.

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Resolvi que não me abalaria com a falta de privacidade, mas estava cada dia mais difícil.
Era sábado. O Pierre tinha saído para jogar bola com alguns amigos e eu fiquei dormindo. Estava tão cansada que embalei no sono e nem vi que estava passando dos limites. Mas até aí eu não estava incomodando ninguém. De repente, fui acordada (ou enxotada) pela Neide com sua vassoura e minha sogra gritando atrás:

- Hora de acordar mocinha...está um lindo sol lá fora e você vai lá no bazar comigo.
- Bommm dia... - eu disse com a cara amassada - eu vou onde?
- No bazar comigo...já falei para todas as minhas amigas que você vai nos ajudar...
- Poxa, dona Mary, eu adoraria...mas hoje eu fiquei de fiscalizar a obra lá no meu apartamento...o pedreiro está me esperando...
- Ah, ele ligou aqui e já desmarquei com ele.
- Como assim a senhora desmarcou???!!!
- Desmarquei, meu amor. Você estava aí hibernando e como você vai comigo no bazar.
Como eu não tenho sangue de barata, resolvi atacar a velha.
- Como assim desmarcou e eu vou no bazar? Eu não vou a lugar nenhum!!! A senhora ficou louca? Só pode ser...como pode desmarcar um compromisso meu? Sabe muito bem que eu estou reformando o meu apartamento...
- Eu só quis te ajudar, meu amor...além do mais para que pressa de ir embora??? Acho até que você devia vender esse apartamento e se mudar para cá.
- Isso é uma piada né?

Nesse momento, Pierre chegou e pegou nossa conversa acalorada. Logo se tocou que estávamos trocando palavras nada carinhosas.

- O que está acontecendo aqui?
- A sua mãe - eu comecei a tentar me explicar, mas a minha sogra logo se intrometeu...
- Nada, filho. Besteira da Diana. Olha, Di, tô te esperando lá embaixo...vê se desce logo porque não podemos nos atrasar hein?

....

- Eu não aguento mais, Pierre. Eu vou embora!
- Como assim vai embora?
- A sua mãe...a sua mãe me sufoca. Você nao sabe o que ela fez...ela desmarcou com o pedreiro e está me obrigando a ir nesse bazar com ela...sem contar que ela doou as minhas roupas...se eu ficar aqui mais um minuto eu vou morrer sem ar...
- Você não acha que está exagerando, Diana? A minha mãe só quer te agradar...
- Exagerando eu?! Sua mãe não quer me agradar, ela quer me sufocar...olha eu amo você, mas se eu ficar aqui mais um minuto vai ser a morte do nosso relacionamento e eu não quero me desentender mais com a sua mãe do que eu já me desentendi.
- Dá um tempinho, gata. Eu vou falar com ela.

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O Pierre até falou com ela, mas nada adiantou. Ela começou a se fazer de vítima e tudo que ela fazia para mim se justificava que era para o meu bem, se eu não me incomodaria e dessa forma sobrevivi aos últimos dias.

- Obrigada pela estadia, dona Mary - eu disse aliviada e pronta para voltar para meu apartamento reformado em folha
- Que isso. Espero que tenha gostado. Sempre que quiser voltar será um prazer.
- Claro...- claro que eu jamais voltaria aqueles tinham sido os dias mais difíceis da minha vida.

...

- Oi, Di, o bom filho a casa torna? - dizia Betina ao telefone para saber como tinha sido o retorno para o apê
- Graças a Deus eu tenho casa para retornar né?
- Ué achei que você tinha gostado da vidinha a três (risos)
- Nem por brincadeira, Bê... eu amo o meu namorado, mas aguentar a mãe dele é amor demais para mim...só sei que eu aprendi uma lição...eu amo a minha privacidade e namoro a parte e melhor cada um no seu quadrado...hahahahahahaha

Papo de Calcinha: Você já passou por alguma situação semelhante ou teve sua privacidade diminuída por dividir a casa com alguém?