quarta-feira, março 28, 2012

A VIAGEM: O FIM



POR LETÍCIA VIDICA

- Alguém me diz por que tudo que é bom dura pouco? – eu questionava minhas amigas enquanto comíamos no nosso restaurante que já havia se tornado o nosso preferido La Cocina de Carmela. Um bistrô muito aconchegante, com uma dona muito simpática e, o melhor de tudo, comida boa e barata. O que é providencial para os últimos dias de uma viagem.

- Dura pouco mas ainda não acabou. Por isso, sou a favor de aproveitarmos até o último minuto. – dizia Lili – Descobri que essa noite vai rolar uma aulinha de salsa lá no albergue e a gente vai participar, óbvio né? Aquele americano gracinha vai
participar e eu é que não vou perder...

- Será que o Christian vai estar lá? – eu perguntava avaliando as minhas possibilidades de ainda terminar aquela viagem me dando bem.

- Não só estará como vai ser o professor... – completava Lili, a nossa Sherlock do amor.

Continuamos a tagarelar enquanto terminávamos o almoço. Digo tagarelar – eu e a Lili- porque a Betina não parava de responder e-mails no Iphone dela.

Depois do almoço resolvemos bater perna pelas ruas da cidade e fazermos umas comprinhas básicas. Afinal, de que vale uma viagem sem as comprinhas?

***

- Meninas, não tenho palavras para agradecer o que vocês fizeram por mim. É como se eu fosse sair daqui uma outra Diana, sabia? – eu suspirava enquanto admirávamos o mar sentadas nas muralhas da cidade.

- A gente não fez nada. Você foi quem se ligou, amiga. – dizia Betina

- Mas o Pedro não deu sinal mesmo?

- Não sei, Lili. Resolvi não ir mais atrás de notícias. Quando eu chegar no Brasil, resolvo isso. Agora acho bom a gente se apressar porque eu não quero perder a aula de salsa. Por que esse problema eu tenho que resolver hoje...

Voltamos para o albergue abarrotadas de sacolas, despertando os olhares dos moradores locais e elogios – principalmente – dos homens. Tenho certeza que a gente foi assunto na coluna social do jornal da cidade. Em poucos dias, já tínhamos feito amizade com o garoto da carruagem, o tiozinho que vendia comida na rua, o gerente do supermercado, a dona do bistrô...já estava me sentindo parte daquele lugar. Vai ver esse é o meu lugar né? Pensei seriamente em não voltar ao Brasil.

***

A noite estava quente e todos os hóspedes do albergue resolveram sair de suas tocas e confraternizavam no hall central antes da aula de salsa. Lili foi logo se envolvendo com os brasileiros que estavam servindo gelatina de vodka. Betina e eu conversávamos com uma australiana e uma londrina (doidas) que estavam no quarto da frente até sermos interrompidas por duas brasileiras que descobriram nossa verdadeira identidade ao nos flagrar falando em português. Foi então que o americano que a Lili achava gracinha – apesar da timidez – foi introduzido em nosso grupo e, em poucos minutos, aquele lugar parecia a torre de babel. Cada um se virava do jeito que sabia para conversar e, o melhor, é que todo mundo se comunicava. Foi quando... o Christian chegou. Me deu um sorriso encantador e organizou o pessoal para a aula de salsa.

Poucos minutos de aula foram suficientes para me deixar suada e com a língua de fora. Só não desisti porque a aula estava divertidíssima e o argentino que era meu parceiro não me deixava parar de dançar.

- Então, estava escondendo o jogo? – perguntava o meu Deus de Ébano ao se aproximar de mim.

- Eu? Quase morri em cinco minutos de aula... não tenho mais idade para isso. – eu dizia ainda ofegante.

- Mas a noite está só começando e você já está cansada?! Estou de folga essa noite...

Foi a deixa que eu precisava.

- Alguma proposta?! – insinuei.

Foi quando fomos interrompidos pela Lili que já estava bem louca de gelatina de vodka e gritava para nos convidar a ir a uma balada tradicional de salsa na cidade. Sob forte insistência dela, aceitamos o convite. E o Christian, claro, foi junto.

Seguimos em caravana até o tal local. E nem foi preciso uma bandeira para identificarem que éramos – em maioria – brasileiros. A nossa animação, as músicas que cantávamos e as gargalhadas revelavam o nosso jeitinho brasileiro de ser. Durante o caminho, percebi que uma teenager de Bogotá estava jogando as asinhas dela para cima do MEU Christian.

- Alguém pode me dizer o que aquela piriguete Chiquitita tá fazendo? – perguntei furiosa para Betina.

- Nega, a pivetinha ali está jogando com todas as armas para cima do negão. Daqui a pouco, ela vai tacar outra coisa na cara dele.

Fiquei irritadíssima, mas resolvi não jogar com a mesma moeda. Me afastei dele.
Durante toda a balada, tentamos ficar juntos, mas a pirralha estava sempre no pé. Resolvi desencanar e caí na salsa no meio da pista com as meninas. Ali, achei que meu jogo já estava vencido.

***

- Está com sono? – perguntava Christian quando retornamos ao albergue no meio da madrugada.

- Um pouco. – respondi rispidamente.

- Não quer dar uma volta?

- Achei que já tivesse companhia para essa noite...

Christian me estendeu as mãos e fomos andar pelas vielas de Cartagena. Como sempre, a companhia dele era agradabilíssima e mais agradável ainda foi ouvir que ele não aguentava mais a teenager no pé dele.

- E pensar que amanhã a essa hora estarei quase chegando no Brasil... – eu suspirava.

- Pensa nisso agora não. Vai ser muito chato ficar em Cartagena sem você.

- Para de ser bobo. Aposto que você diz isso para todas as turistas que vem para cá.

- Apenas para as mais especiais. – dizia ele segurando nas minhas mãos e olhando nos meus olhos.

Sorri para não ficar sem graça.

- Adoro o seu sorriso sabia? Te deixa ainda mais linda. – disse ele mexendo nos meus cabelos, no meu rosto e... tcham tcham tacham tcham... finalmente nos beijamos. Intensa e longamente, nos beijamos.

- Eu não te deixaria voltar para o Brasil sem antes ficar com uma lembrança sua. – ele disse.

***

- Meninas, agora sim posso voltar para casa. – eu dizia enquanto esperávamos a chamada do voo na sala de embarque.

- Também depois do beijo daquele homem maravilhoso, até eu né? – dizia Betina.

- Mas não falo só pelo Christian. Ele é um gato, claro. Não posso negar...mas é que eu me sinto mais eu sabe? Não sei como explicar, mas é como se algo que eu tinha perdido...eu encontrei aqui... Amo vocês. Já disse isso hoje?

- já!!! – repetia as duas em coro.

Assim como cena final de novela, nos abraçamos no meio do saguão do aeroporto. E me senti ainda mais forte para encarar os fantasmas que me aguardavam a cerca de seis horas dali.

quarta-feira, março 21, 2012

A VIAGEM - PARTE II



POR LETÍCIA VIDICA


Depois de enfrentarmos um congestionamento de pessoas no porto da cidade e de quase sermos enganadas pela tiazinha que nos vendeu o ticket, mas só esqueceu de avisar que não tinha barco – mas que não contava com a nossa advogada de plantão, Betina, que foi logo defendendo os nossos direitos – chegamos ao paraíso. Uma ilha rodeada por um mar com os mais variados tons de azul, que chamei de mar de gelatina, todinho para gente. Ali tive a certeza de que o paraíso é na terra e que eu já tinha garantido a minha vaga por lá.

- Meninas, que lugar é esse!!! Só vocês mesmo... nem sei como agradecer... – eu maravilhava aquela visão enquanto pegava uma corzinha naquele sol de queimar o coco e me refrescava com uma dessas bebidas caribenhas colombianas tropicais.

- Quem te viu quem te vê, hein, mona? O que um corpinho novo na nossa vida não faz né? Pode desembuchando logo hein... – era Lili que me colocava na parede.

Resolvi então não esconder mais o jogo e contei tudo o que tinha acontecido na noite passada para as minhas fiéis escudeiras. Revelei até mesmo que eu tinha bancado uma de Sherlock Holmes e tinha dado uma espiadinha na vida virtual do Pedro.

- Eu não acredito que você foi fuçar nas coisas do Pedro?! Você não prometeu dar um tempo nessa história? – Betina brigava comigo pela quebra da promessa.

- Eu que não acredito que você não beijou aquele negão maravilhoso????!!!! – precisa dizer que era a Lili?!

- Calma, amadas! Foi uma noite realmente fantástica sabe? Tem alguma coisa mágica nesse lugar que me fez olhar para mim. Eu não vou me enganar fingindo que eu não estou sofrendo com tudo isso, mas também vou me dar uma oportunidade.

- Assim que se fala, garota! Olha só esse mar, esse lugar...vai ficar perdendo tempo choramingando? – era Betina que levantava o meu moral.

E para recuperar as lágrimas perdidas, resolvi ir desbravar aquela pequena ilha sozinha porque a Lili preferiu ficar de bunda para o sol pegando um bronzeado e a Betina ficou lendo um livro. Bastaram alguns passos ilha adentro para perceber que eu não estava tão sozinha assim como eu queria ficar. Um dos milhares vendedores locais de colares-artesanatos-e afins , que trabalhavam na ilha, resolveu me perseguir. Me assustei um pouco no começo com a aproximação, achando que ele poderia me comer viva (em ambos sentidos), mas logo percebi que ele só queria ser simpático e cordial – coisa bem comum naquela ilha.

- Vai conhecer a ilha? – perguntava o vendedor. – Prazer, Jose! – dizia ele me estendendo cordialmente a mão – Melhor seguir por aqui. Eu te acompanho.

Que mal teria ter a companhia daquele pobre homem com sorriso cordial e surrado com a vida? Enquanto Jose me apresentava a ilha que conhecemos dando apenas 15 passos, ele aproveitou para me contar sua vida: morava na ilha em frente, fazia colares com pedras naturais pela noite e os revendia aos turistas pela manhã. Apesar da aparência de 50 anos, não passava dos 30. Tinha filhos e sustentava a família com o suor do seu trabalho. Também me surpreendeu que, apesar da vida dura, ainda mantinha um relacionamento. Ele era embarazado , como diziam, algo como tico tico no fubá.

- Você tem namorado? – perguntou ele.

Nossa, Jose, a conversa estava tão boa. Tinha que tocar nesse assunto sórdido?

- Não, eu não tenho. – respondi depois de repensar, repensar e repensar.

- NÃO?! Como uma mulher tão especial como você não tem namorado?! Olha o homem que ficar com você será muito sortudo porque você é muito especial.

Ai, gente, derreti. O humilde vendedor de colares me fez enxergar quem eu era com um elogio tão sincero e nobre. Realmente, eu sou muito especial. O azar não é meu de estar sem o Pedro e sem o Pierre e sim deles por estarem sem mim. O que um mar azul e um lugar paradisíaco não faz com a gente né?

Como eu não podia e nem queria beijar Jose, agradeci a gentileza da companhia e do elogio comprando colares para mim e para as meninas e de quebra ainda ganhei um lindo colar vermelho que ele disse que era o colar do amor... e, claro, eu iria usá-lo naquela noite para ver se já atraía algum amor por lá.

***

- Nossa! Como você está linda! Nem parece a mesma muchacha da noite passada. – era Christian, gentil como sempre, me elogiando ao me ver pronta para cair em la noche Cartagena.

- Devo isso a você, muchacho! – deixei meu lado piriguete aflorar. – Estou afim de dançar uma salsa hoje e aí vamos?

- Gata, hoje eu vou ter que ficar até mais tarde. Infelizmente, não vou poder te acompanhar, mas tem uma festinha muito bacana num albergue parceiro nosso. Acho que vocês vão gostar. Divirtam-se.

Por alguns segundos, fiquei chateada que o meu príncipe negro não iria me acompanhar, mas rapidamente esqueci disso. A vontade de cair na gandaia falava mais algo e rumamos para o tal do albergue.

O lugar era simplesmente fantástico. Fizemos um esquenta no bar do albergue e, claro, tomei o meu mojito. Enquanto bebíamos, um grego – que ainda parecia cheirar leite – se aproximou de nós e foi logo se engraçando para o lado da Betina. O bebê grego estava viajando sozinho pela América Latina e estava hospedado no albergue. Depois de alguns mojitos a mais na cabeça, fomos para a festa que acontecia na cobertura do albergue sob a luz do luar. A noite já dava sinais de que ia ser boa.

A cobertura estava lotada. Gente do mundo inteiro estava ali tentando se comunicar de alguma maneira e o DJ tocava ragatton – o que chamamos de funk colombiano – uma música muy caliente e divertida. Aquela música tinha algum efeito afrodisíaco porque logo vi a Betina entrelaçada com o bebê grego dançando num cantinho qualquer.

Eu e a Lili dançávamos feito duas loucas e felizes no meio da pista. Pouco me importava se olhavam para mim e não olhavam porque cada um era feliz do jeito que sabia ser. Até que dois rapazes, com cara de que eram colombianos, se aproximaram e começaram dançar o tal do ragatton com a gente. No começo fiquei um pouco envergonhada, mas não demorou muito para que eu entrasse no clima. Dançamos várias músicas sem parar. Eu estava hipnotizada com aquela dança, aquele contato físico, aquele suor que caía do meu e do rosto do muchacho colombiano, com o olhar que a gente trocava enquanto dançava... meu Deus, que dança é essa!!!

- Lili, isso aqui é o paraíso minha amiga!!!

- Você ainda não viu nada, Diana! Poxa, fico tão feliz de te ver assim sorrindo novamente. Essa sim é a minha Diana – me abraçava Lili.

- Te amo sua louquinha!!! - eu retribuía o abraço num daqueles momentos de mela cueca entre amigas que, nós, mulheres entendemos muito bem.

- Epa, eu quero participar também hein? – era Betina que se aproximava toda descabelada.

- Apareceu margarida? Cadê o grego?

-Ai, eu estou fugindo dele, gente, o menininho tá com os hormônios a flor da pele...eu preciso respirar...não tenho mais idade para essas coisas.

Caímos na risada e começamos a dançar a próxima música que, naquele minuto, elegemos como o hino da nossa amizade e juramos mais uma vez amor eterno. Pulávamos feito três doidas abraçadas no meio da balada. Momento crazy total!!

Lá pelo meio da madrugada, quando eu aproveitava para tomar uma fresca encostada no muro da cobertura e admirando a cidade, o tal colombiano que tinha dançado comigo se aproximou. Me ofereceu uma cachaça colombiana que, de início fiquei com medo de ser algum tipo de boa noite Cinderela, mas depois virou a bebida dos deuses. E foi graças a bebida dos deuses que eu fiquei facinho, facinho...dancei várias músicas com o tal colombiano sem nome , no silêncio do nosso relacionamento, roubei um beijo dele.

***

- Uhu!! Ninguém dorme hein??? – gritava Lili descalça com os sapatos nas mãos enquanto voltávamos para o albergue na calada da noite.

- Eu não dormiria jamais se morasse nessa ilha maravilhosa. Esse lugar é mágico só pode ser... – eu dizia com a cabeça um pouco tonta.

- Safadinha hein? E o cartageno hein? – perguntava Betina que também trançava as pernas e ainda segurava uma garrafa de cachaça colombiana nas mãos – presente do cartageno.

- Não sei o que me deu. Aquele calor, aquela música, aquela dança, corpo com corpo, olho no olho... só sei que eu ataquei. Fui lá e roubei um beijo e pronto. – eu confessava.

- Ai, que tudoooooo!!! – berrava Lili – E o que é que o cartageno tem hein?

- Nada demais. O beijo do Pedro é bem melhor – por um instante me lembrei dele.

- Ih, amiga. Esse nome aqui na Colômbia está proibido ok? PROI-BI-DO... – dizia Lili escorando em mim em meio a gargalhadas e soluços.

- Putz. Perdão. Pedro tá mortinho e enterrado. E não se fala mais nisso ok?

Voltamos para casa em meio às nossas gargalhadas que deviam ter acordado a ilha inteira, cantando, dançando, soluçando, bebendo cachaça colombiana e, acima de tudo, sendo muito feliz. E mais feliz ainda eu fiquei quando cheguei no albergue e o meu negão colombiano maravilhoso estava na recepção. As meninas saíram dando risinho pela culatra, mas eu fui barrada por aquele paredão de homem.

- Quase fui te buscar.

- Ihhhh...relaxa, baby. Sei cuidar de mim viu? – eu disse revelando que não estava nada sóbria.

- Pelo visto, a balada foi boa?

- Ótima!!! Mas seria melhor se... se... se... você estivesse lá!!! – pronto, falei!!

Aproveitei o meu momento piriguete da noite e xavequei o homem.
Christian me olhou como quem não esperava aquela resposta, mas logo abriu o seu sorriso encantador. Ele então foi se aproximando de mim, olhos nos olhos, respiração ofegante, o silêncio a nossa volta, lábios prontos para serem selados e... a campainha do albergue tocou e fomos interrompidos pelo grupo de australianos que chegavam da balada. Mais uma vez, a bola foi na trave.

- Boa noite!!! A gente termina aquele assunto amanhã... – me despedi dando um beijo demorado e molhado no rosto dele e fui para a cama dormir naquela manhã que já estava
chegando. Feliz e decidida a marcar logo aquele gol no dia seguinte.

... CONTINUA

quinta-feira, março 15, 2012

A VIAGEM

POR LETÍCIA VIDICA

- Diana, a gente tá a um passo da terra do sol, da salsa e do mojito e você fica com essa cara de velório? – dizia Lili em meio às suas trocentas malas cor de rosa para uma semana de viagem.

- Até eu que estava achando essa viagem um mico, estou animada!!! – dizia Betina, enquanto terminava de responder alguns e-mails de trabalho no seu Iphone.
Nem o apoio moral das minhas amigas inseparáveis que tinham preparado aquela viagem que, segundo elas, ia me tirar da fossa, nem o mar azul, a salsa e o mojito que eu encontraria em Cartagena das índias – o novo paraíso caribenho da América do Sul, como dizia Lili. Nada disso melhorava o meu astral. Tudo que eu queria era embarcar naquele voo para Londres que o alto falante anunciava e ir atrás do Pedro em busca de
uma satisfação.

- Desculpa, meninas. Acho que não é uma boa idéia eu ir viajar com vocês. Podem ir.
Eu não vou ser boa companhia. – eu dizia já cansada de esperar por aquele voo
atrasado há mais de 2 horas.

- Diana, você esqueceu que VOCÊ é o motivo dessa viagem?! – relembrava Betina.

Eu não só era o motivo da viagem como tinha feito minhas amigas pararem suas vidas para me acompanhar naquela viagem-jornada. A idéia tinha sido da Lili que convenceu a Betina a fechar o escritório por alguns dias (coisa rara de acontecer) e me imploraram para que eu pedisse alguns dias de folga do trabalho.

Tentei disfarçar o meu mau humor mas aquele dilema Pedro-Pierre avisou logo na porta de entrada do avião que me perseguiria a viagem toda. Durante as cerca de seis horas de voo, nada me fazia dispersar. Nem mesmo os comprimidos que tomei para dormir. Entre uma turbulência e outra a dupla dinâmica dava sinais de que estava ali enraizada em minha cabeça. Pedro tentava expulsar Pierre dizendo que já tinha conquistado seu espaço, mas Pierre relembrava que tinha chegado por lá primeiro e que ainda mandava no pedaço.



Chegamos ao novo paraíso caribenho sob um forte sol de quarenta graus. Partimos rumo ao albergue que a Lili tinha reservado e, que segundo a nossa guia da CVC, era um ótimo lugar para que eu conhecesse gente nova, gente do mundo inteiro e que cabia muito bem no bolso da Betina que tinha exigido não gastar muito dinheiro nessa viagem de última hora.

Logo na recepção, Lili foi logo se encantando com os dois belos rapazes que nos atenderam. Um moreno muy guapo com sorriso encantador de Deus de Ébano e um outro com lindos olhos azuis que depois apelidamos de Jesus Luz. Fomos levadas pelo Jesus até o nosso quarto e no caminho tive a impressão da rapidinha da Lili ter passado o número do telefone dela.

- Meninas, preparem-se porque o gato do Jesus já me passou o nome das melhores baladinhas do pedaço. Amanhã vamos cair na pista hein? – dizia Lili enquanto tomávamos um chope numa bela pracinha da cidade.

- Eu andei olhando também e acho que poderíamos ir numa ilha maravilhosa que vi num guia da cidade lá do albergue...- dizia Betina. – O que acham?

- Tem outra. Aposto!! – eu matava a charada sem ter prestado a mínima atenção no que minhas amigas tinham dito.

- Ahn? Outra balada? – perguntava Lili

- O Pedro. Aposto que ele tem outra. Esse papinho de que precisa de tempo, que eu preciso pensar e que ele tem que me entender?! História para boi dormir. – eu desabafava tomando o meu mojito num gole só.

- Diana, não pira!!! O Pedro não ia fazer uma cachorrada dessas. E olha que eu conheço bem os homens hein?

- Concordo com a Lili. Diana, tenta esquecer dele um pouco e pensar em você?

- Essa história tá muito estranha. Vai ver ele conheceu outra pessoa, ou melhor, aposto que tá ficando com aquela globeleza lá da Camila e resolveu me dar um pé na bunda de maneira sutil. Essa história de que eu preciso de um tempo para pensar e me resolver com o Pierre é balela!!!

- Diana, eu duvido que o Pedro faria isso. Para de se martirizar. Ele não te deu um tempo? Aproveita. Está mais do que na hora de sair dessa vidinha de Pedro e Pierre.

Talvez as minhas amigas estivessem certas, mas naquela noite nada me convenceria ainda de que eu estava pirando. Tanto é que, quando chegamos ao albergue, resolvi ficar mais um pouco na recepção. Não confessei às meninas que aquela era uma tática para dar uma espiadinha na internet em busca de algum recado do Pedro ou alguma pista do seu novo affair em Londres. Aproveitei que elas foram dormir e ataquei de Sherlock Holmes. O problema é que de detetive eu não tenho nada e nada foi o que eu também encontrei em todas as minhas redes sociais, e-mails e afins. Nenhuma mensagem ou sinal de fogo dele.

Poxa, faz três semanas que ele viajou e até agora eu nem sei, ao menos, se o avião caiu, se ele foi sequestrado em Londres ou se ele ainda sente falta de mim. Talvez ele esteja com as mãos um pouco ocupadas demais para me mandar alguma mensagem ou talvez eu esteja realmente pirando. Será que eu tô pirando? Antes que eu respondesse, fui surpreendida por um mojito feito pelo Deus de Ébano e tentei disfarçar limpando rapidamente as lágrimas teimosas que caíam dos meus olhos.

- Aposto que jamais tomará mojito melhor do que o meu. É minha especialidade. – dizia ele sentando-se ao meu lado no sofá da recepção. ((pausa: considere a tecla SAP em nossos diálogos))

- Obrigada. Não precisa se incomodar. – por mais lindo que ele fosse eu ainda estava preferindo a solidão ou uma resposta do Pedro do que um mojito na calada da noite, mas tive que aceitar porque seu rosto parecia de quem acharia minha negativa uma grande desfeita.

- E aí já conheceram a cidade?

- Ainda não. Fomos apenas até uma pracinha aqui próxima hoje à noite beber algo, mas parece ser realmente linda.

- Linda, romântica e caliente... – ele dizia olhando profundamente nos meus olhos.

- Claro, claro... não vai faltar oportunidade. – respondi ainda um pouco sem graça.
Percebi o quanto estou enferrujada para cantadas.

- Que tal agora?

- O quê?

- Vou adorar te mostrar a cidade.

- Mas agora?! Essa hora? Já está tarde. Não quero te atrapalhar... e as meninas...

- Relaxa, muchacha. A noite é uma criança. E se quer saber... Cartagena é ainda mais encantadora de madrugada. Ao menos, uma vez, faça uma loucura na vida.

Nossa, quem é esse homem? Algum amigo da Jane, minha terapeuta?! Só sei que deixei as lágrimas de lado e resolvi desbravar aquela cidadezinha. No caminho, Christian – esse era o nome dele – foi me contando cada detalhe daquele paraíso perdido na costa norte da Colômbia que tinha sido descoberto no século 16 pelos espanhóis e construída com o sangue e o suor da escravidão – motivo de orgulho para ele que carregava em seu sangue esse suor.

No meio do passeio, encontramos um amigo de Christian com sua carruagem costumeira de levar turistas para um city tour. Ele gentilmente nos emprestou seu ganha pão e segui encantada por aquele lugar ao lado daquele negro maravilhoso.

Cada ruazinha, cada beco respirava história. Christian sabia cada detalhe, cada segredo escondido naquelas casinhas coloridas, nas varandas com suas flores primaveras, nos bares que ainda estavam abertos tocando algo como salsa para corações machucados, nas pracinhas que ainda carregavam o perfume dos namorados até as muralhas que cercavam o centro da cidade e que ainda mantinha intactos os seus canhões que em outros tempos atacaram muitos navios piratas.

Permanecemos sentados nas muralhas e em silêncio por algum tempo. Olhando para aquele mar escuro e ouvindo a brisa e o barulho das ondas. Fiquei repensando na minha vida. E, naquele momento, a dupla Pedro-Pierre reapareceu em meus pensamentos, mas foram expulsos pela pergunta do Christian. Eu poderia ter aproveitado aquele lugar propício para bombardeá-los da minha mente.

- Por que estava chorando lá no albergue?

- Coração partido, digamos assim. – eu respondia ainda hipnotizada pela escuridão do
mar.

- E quem teria coragem de machucar o coração de uma moça tão especial? -dizia ele se aproximando mais de mim.

Não sei porque mas senti uma vontade arrebatadora de contar a minha história para ele. Era como se eu me sentisse na obrigação de retribuir aquela gentileza do passeio com algo tão valioso. Contei com mínimos detalhes a minha história com o Pierre – a confusão de sentimentos dele, a traição, a Olívia, o filho, o possível casamento, a nossa história mal resolvida, as investidas dele – e com o Pedro – a nossa amizade de maternidade, o sentimento nobre dele por mim, o carinho, o respeito, o afeto, o tempo, Londres e a minha insegurança.

- Eles não merecem suas lágrimas. Mas tenho que admitir que esse Pedro teve uma atitude nobre.

- Não vejo nada de nobre em me deixar sozinha. Eu não pedi tempo nenhum. Quem é ele para dizer que eu preciso de um tempo para me resolver?

- Talvez seja o cara que te ama de verdade. Eu não sei se teria coragem de abrir mão de uma jóia tão rara quanto você. Mas se ele não tivesse feito isso, eu não teria te conhecido...

Nos olhamos fixamente. Christian foi se aproximando de mim. Pegou nas minhas mãos, acariciou meu rosto e se preparava para me beijar, quando um raio de sol entrou nos meus olhos e me assustei que já estava amanhecendo.

- Meu Deus, já está amanhecendo... uau que por do sol lindo!!! – fiquei petrificada com a vista.

- Meu presente para você!

O beijo acabou não rolando, mas deixemos para depois. Senti que algo naquela noite tinha me mudado. Voltamos para o albergue com a carruagem do amigo do Christian. Nos despedimos na porta com um abraço apertado e prometi aceitar o convite dele de sair para dançar salsa na noite seguinte. Encontrei Lili e Betina acordadas e assustadas.

- Achei que as FARC tinham te sequestrado!!! – dizia Betina.

- Hummm. Tá com cara de quem aprontou hein? Pode contando tudo. – dizia Lili com seu faro infalível.

- Tive uma noite maravilhosa sim. Mas depois eu conto tudo. Vou tomar um banho senão a gente vai perder o passeio para as ilhas. Só quero dizer uma coisa: esse lugar é o paraíso e eu quero piriguetar muitooooo...

Saí dançando feito uma adolescente do quarto e as duas ficaram me olhando com cara de quem não tinham entendido nada...

CONTINUA...


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