sábado, dezembro 01, 2012

ENTRE TAPAS E BEIJOS




POR LETÍCIA VIDICA

- Qual parte do ‘não me procure mais’ você não entendeu, William? – eu disse irritada ao telefone ao atendê-lo no fim de um dia de cão, depois de inúmeras tentativas e ligações dele por longas duas semanas. Mas, naquela noite, não tinha dado para evitar.

- Boa noite para você também. – respondeu ele do outro lado da linha parecendo sussurrar um sorrisinho malicioso de quem se divertia com a minha fúria.

- Eu não estou brincando! Aliás, eu não tenho tempo para brincadeiras. Estou cheia de trabalho aqui. O que você quer?

- Você!

Aquela resposta me deixou sem ter o que falar por, pelo menos, um minuto. Como podia, meu Deus? Mesmo pisando na bola comigo, ele ainda conseguia me arrepiar. Parecia até que ele tinha sussurrado ao pé do meu ouvido.

- Aceita a minha proposta de ter você? Eu tentei falar com você feito um louco por todos esses dias, mas você não me dava bola... eu não arredo o pé daqui se eu não tiver você hoje. – disse decidido.

- Pois então arrume um banquinho com o porteiro porque você vai cansar de esperar. – respondi curta e grossa e desliguei o telefone.

Apesar da minha vontade ser a de colocar fogo naqueles relatórios das milhares de campanhas e descer correndo para o hall do prédio para arrancar as roupas dele e me atracar com ele na frente do porteiro mesmo, eu respirei fundo e tentei me concentrar.

Quase uma hora e meia depois daquela ligação, terminei meu serviço. Já não havia quase ninguém na agência. Acho até que fui uma das últimas a sair.

Enquanto esperava o elevador, comecei a me questionar se o William ainda estaria me esperando. Acho que não. Se ele tiver um pouquinho de dignidade, vai ter ido para casa, ou melhor, já dever ter se arranjado com outro rabo de saia. Esse foi o pensamento que me perseguiu quinze andares até o térreo.

Cheguei ao hall e não encontrei nenhuma alma sentada num banquinho me esperando. Confesso que fiquei um pouco decepcionada mas, quando fui retirar as chaves do carro com o porteiro, vi que estava errada.

- Dona Diana, desculpe me intrometer, mas tem um moço parado aí na porta do prédio há um tempão e pediu para avisar quando a senhora descesse. A senhora quer que eu chame a polícia? – perguntou o porteiro desconfiado de quem seria o maníaco.

Olhei para a calçada e vi que o William ainda estava lá. Meu coração deu uma acelerada e os pelos de todo o meu corpo se arrepiaram. Internamente, fiquei feliz, mas eu não podia dar o braço a torcer. Agradeci a preocupação do porteiro e fui até a rua.

- Achou que eu ia desistir fácil? Sou persistente quando tenho um objetivo. – dizia ele todo petulante tentando me dar um beijo, mas recuei.

- Pois saiba que só vim aqui confirmar que perdeu o seu tempo. Eu estou indo para casa.- ameacei dar as costas, mas ele segurou minha mão.

- Já disse que só saio daqui com você. Quero saber por que você está fugindo de mim.

- Achei que uma ida atrasada a um jantar e me largar num churrasco sozinha já eram motivos suficientes. Melhor a gente parar o que não começou. Estou cansada de confusão.

- Quer dizer que eu sou confuso? – perguntou ele intrigado.

- Você cheira confusão. E nessa colmeia eu não quero colocar a mão. Agora, vai para sua casa que eu estou indo para minha.

- Não sem antes te levar para jantar! – bateu o pé.

- Obrigada, mas eu não estou com fome. – respondi, mas logo fui traída pelo ronco do meu estômago que resolveu se manifestar na hora errada.

- Não é o que parece.- respondeu ele rindo – Prometo que não vai se arrepender. Você merece uma explicação e é o que eu vim te dar.

***

Não sei se foi a fome, o cheiro do perfume dele, a voz macia ou o tesão que ele despertava em mim que me fizeram aceitar o convite. Em menos de uma hora, estávamos jantando em uma pizzaria descolada na zona sul da cidade.

- Vai ficar muda mesmo? Já vi que não vai facilitar para mim né? – questionava ele depois de cansar do meu silêncio.

- Já facilitei o máximo que pude, William. – respondi seca e enfiando um pedaço de pizza de mozzarella na boca.

- O que eu posso fazer para você me perdoar? Você está totalmente enganada sobre mim, gata. – dizia ele começando a aproximar a mão dele da minha por cima da mesa – Eu não queria te preocupar com isso... nem gosto de comentar muito... mas ao contrário do que você pensa que eu te deixei no churrasco ou cheguei atrasado por algum rabo de saia... eu realmente tive um problema de família... minha mãe está doente...não anda nada bem e como eu sou filho único e ela mora sozinha... quando passa mal, eu sou a única pessoa para ajudá-la.

Nossa, que história mais triste! Ou será realmente história? Ele seria tão cara de pau de deixar a mãe doente só para garantir mais uma transa comigo?

- Se foi isso, por que você não disse nada? Eu jamais te proibiria de ir socorrer sua mãe. – questionei ainda desconfiada.

- Ai, gata, não é nada legal sair com uma mulher e logo na primeira vez ir contando os problemas. Ainda mais quando os problemas se referem a futura sogra. Será que agora você me entende? – perguntou ele com cara de cachorro sem dono e apertando a minha mão.

Depois disso, ficamos por mais umas duas horas na pizzaria falando bobagens, rindo e nos conhecendo melhor. Incrível como ele me despertava sentimentos e emoções tão opostos e com uma facilidade de alteração tão grande. Do ódio ao amor. Da fúria ao humor.

- Eu queria me desculpar por toda essa cena que eu fiz. – disse, ainda dentro do carro dele, estacionado na frente do meu prédio. – É que ... eu já me enrolei tanto que comecei a ficar vacinada sabe?

- Não precisa se vacinar contra mim. – respondeu ele com os dedos entrelaçados no meu cabelo – Sabe que eu até que gosto de mulheres difíceis? Você fica um tesão quando está brava.

William me puxou para o peito dele e, ainda com os dedos emaranhados no meu cabelo, me deu um beijo de tirar o fôlego. Com a outra mão, começou a acariciar minhas pernas, lentamente a desabotoar a minha blusa e numa fração de segundos estávamos com as mãos, braços e pernas entrelaçados no banco de trás do carro dele. Não sei como tudo começou só sei que transamos no banco traseiro do carro dele estacionados na porta do meu prédio, correndo o risco do porteiro ou chamar a polícia ou gravar a cena para postar no Youtube e eu ser apontada pelo filho adolescente espinhudo do meu síndico na próxima reunião de condomínio.

- Você é louco!!! – disse me recompondo de toda aquela adrenalina.

- Olha o que você faz comigo! Posso subir? – perguntou ele.

- Não! Acho que por hoje chega! Você ainda não está merecendo uma segunda chance. – dei um beijo longo nele e desci do carro.

Entrei no prédio de cabeça baixa para que o porteiro não reconhecesse quem era a moradora que tinha proporcionado aquele filminho privê gratuito mas, por sorte, era o plantão do Tonho que sempre dorme na portaria. Não viu nada. Pela primeira vez, agradeci o sono dele. Fui dormir feliz, contente e saltitante.

***

Fiquei tão relaxada com a transa da noite anterior que só acordei porque as meninas resolveram dar plantão lá em casa.

- O que houve que você não apareceu no Pedrão ontem? Não atendeu telefone, não avisou... – perguntava Betina.

- Fui praticamente raptada. O William resolveu dar plantão na porta da agência. Tanto insistiu que acabei indo jantar com ele e o resto vocês já sabem. Transamos mais uma vez na porta do meu prédio. Foi incrível!!!

- Uau! Quem te viu quem te vê. Até ontem estava fazendo a caveira do coitado e agora está fazendo sexo selvagem com ele? – ironizava Betina.

- Que ótimo! Quer dizer que vocês se acertaram então?

- É, Lili, digamos que sim. Ele me contou que ficou sem graça de me dizer, mas que chegou atrasado ao jantar e sumiu no churrasco porque teve que cuidar da mãe dele que é doente e tals e como ele é filho único...

- Mãe doente? Filho único?- interrompeu Lili com cara de intrigada – Que eu saiba os pais do Will moram no Rio de Janeiro. Inclusive a mãe dele é uma socialite que vive aparecendo em revista e está melhor de saúde e corpo do que nós. E ele tem uma irmã
que mora com eles, inclusive.

Minha cara, meu mundo e tudo o mais caíram. Me joguei no sofá.

- Que xaveco mais barato! Usar a própria mãe para te comer??? – dizia Betina abismada

– Não sei se fico mais puta com ele que inventou isso ou com você que acreditou.

- Podem me xingar e me bater, meninas. Eu estou merecendo. Se o sexo não tivesse sido tão bom, juro que eu matava ele agora. Mas, como eu ainda estou sem forças, eu mato depois. Ele me paga. Não quero ver esse cafajeste pintado nem de ouro na minha frente.

***

Depois da história da mãe doente, resolvi riscar de vez o nome do William da minha agenda e o corpo dele da minha vida, apesar do meu corpo me cobrar por muitas vezes, porém não atendi ao chamado. E proibi o porteiro e a minha secretaria de deixarem ele se aproximar do meu telefone e da porta da agência.

Enquanto eu e o Will tínhamos rompido o fugaz relacionamento que tivemos, a Lili e o Tavinho comemoravam pela centésima vez o retorno. Tanto que o Luis Otávio inventou de terminar o churrasco do fim fazendo o churrasco do recomeço. Sob muitas reclamações e bico, resolvi ir. Logo na portaria, encontrei o Will.

- Tudo bem, Diana? – perguntou ele ironicamente, com um quê de ódio no olhar.

- Estou ótima. E a sua mãezinha doente como vai?

- Continua na mesma.

- Que pena! Realmente o sol do Rio de Janeiro não faz muito bem para a pele.
William me olhou sem entender, mas ficou sem palavras. Enquanto isso, o elevador chegou e entramos.

- Como assim, sol? Rio de Janeiro? Que história é essa?

- EU QUE PERGUNTO QUE HISTÓRIA É ESSA, SEU IDIOTA! TÁ ME ACHANDO COM CARA DE BABACA? FICAR INVENTANDO HISTORINHA DE MÃE DOENTE SÓ PARA TRANSAR COMIGO???

A porta do elevador se abriu e fomos flagrados. Todos correram para o hall assustados com os meus gritos. Entrei na casa batendo as tamancas e pude ouvir o Tavinho perguntando o que tinha acontecido e o Will respondendo que eu era louca. Pois agora ele ia ver quem era a louca. Resolvi fazer da tarde dele um inferno.

- Diana, mantenha a postura hein? Vamos mudar essa cara. O William não merece que você se aborreça por causa dele. Lembra que estamos aqui pela Lili. – dizia Betina na sala, enquanto terminávamos de comer.

- Juro que se não fosse a Lili eu jogava esse canalha da sacada. Como ele pode ser tão cínico? E ainda nega que mentiu?

- Falando de mim, meninas? – era Will quem entrava na sala segurando uma jarra de caipirinha.- Estão servidas?

- Posso jogar na sua cara? – eu disse sem pensar.

- Com todo o prazer. Contando que você lamba depois. – insinuou ele.

- Eu tenho nojo de você.- eu disse levantando e olhando profundamente nos olhos dele

– A última coisa que eu faria seria isso.

- Ah, que pena, eu já estou morrendo de tesão só de pensar nisso.

Mais uma vez, aquela frase fez meu pelos arrepiarem e até pude imaginar a idéia. Que saco!! Eu estou com raiva desse homem. Como eu posso pensar em sexo, enquanto eu quero matar ele?

- Crianças, vamos parar? – era Betina quem se intrometia na cena – Já deu hein?

- Deu mesmo. Vou ao banheiro.

Como o banheiro da sala estava ocupado, resolvi ir até o da lavanderia. Entrei, lavei o rosto, olhei o meu reflexo no espelho, respirei e resolvi voltar para a sala de cabeça erguida e um pouco mais calma. Quando abri a porta do banheiro, quase tive um treco com o William parado na porta. Antes que eu gritasse, ele começou a me beijar e me empurrou para dentro do banheiro.

- Me larga, seu verme! Eu vou gritar! - eu dizia prensada na parede tentando me soltar dele.

- Grita,pode gritar. Você sabe que eu adoro ver você bravinha né? Adorei a sua cena na sala. Jogar caipirinha na minha cara? Que coisa mais perversa! – dizia ele lambendo a minha bochecha e me dando um selinho.

- William, eu não estou brincando. Sai daqui. Eu realmente estou com muita raiva de você. Sai!

William começou a me beijar novamente me deixando sem fôlego. Em pouco minutos, não resisti e me rendi. Quando dei por mim, o meu vestido já estava no pescoço e estávamos transando de pé no cubículo que Luis Otávio chama de banheiro em meio a detergentes , rodos, vassouras, baldes e água sanitária.

- Ainda vai me bater? – perguntava ele ao terminarmos o serviço.

- Isso é injusto. Não vá achando que está perdoado. – respondi sem folego tentando me recompor.

- Ainda não? No carro não bastou, no banheiro também não. Vou ter que ser mais criativo viu? Eu vou saindo na frente para não desconfiarem. Te pego na escada depois. – disse ele dando um beliscão na minha bunda.

Me olhei no espelho e vi que estava evidente que eu tinha acabado de transar. O que as meninas iam pensar de mim? O que elas falariam? Há poucos minutos eu queria matar ele e agora estou aqui louca de tesão querendo mais. Ai, Jesus, que confusão de sentimentos. Me ajuda!

A única saída foi sair do banheiro na maior cara lavada e encontrar todo mundo sentado na sala assistindo DVD.

- Algum problema, Diana? – perguntou Tavinho só para me irritar. Ele bem sabia o motivo da minha demora.

- Acho que a porta do seu banheiro está com problema, viu? Eu não conseguia abrir. – respondi.

- Por isso, o William foi lá te ajudar? – questionou Dudu.

- Eu só espero que tenham limpado a bagunça. – completou Tavinho.

Olhei para William e começamos a rir. Logo, todo mundo caiu na gargalhada e começaram a nos zuar sacando o que tinha acontecido.

- Acho que unimos mais um casal hein, gatinha? – dizia Tavinho.

- Como gato e rato viu? – ria Lili

- Peguem leve. Eu e minha gatinha aqui não gostamos de monotonia. – dizia Will me abraçando no sofá.

- Vocês curtem uns tapas e beijos isso sim! – completou Lili.

Ao contrário do último encontro, terminamos a tarde num clima de paz e descontração. Incrivelmente, William não recebeu nenhum telefonema da mãe doente ou do raio que o parta. Deixei essa história para averiguar mais tarde. Preferi curtir apenas os beijos e deixar os tapas para depois.

PAPO DE CALCINHA: VOCÊ JÁ VIVEU UM RELACIONAMENTO INTENSO ASSIM? ENTRE TAPAS E BEIJOS? JÁ FICOU TENTADA POR ALGUÉM QUE TE PROVOCAVA SENTIMENTOS TÃO OPOSTOS?