quarta-feira, abril 24, 2013

PRESENTE DE GREGO




POR LETÍCIA VIDICA


- Dona Diana, entrega para a senhora na recepção... – era minha secretária quem entrara na minha sala interrompendo uma divagação sobre um projeto qualquer que eu estava tendo naquele momento.

Entrega para mim? Ué, não estou esperando nada. Mas como a minha curiosidade fala mais alto, me despenquei para a recepção para ver a tal encomenda. No caminho, percebi que não só eu, mas como quase toda a agência já tinha se despencado para a recepção para murmurar e confabular sobre a tal entrega.

- Flores para mim? Mas quem mandou? – perguntei para o garoto magricela que segurava o lindo arranjo de rosas vermelhas. – Cadê o cartão? – indaguei ao vasculhar o arranjo e não encontrar um mísero bilhetinho.

Acho que o rapaz tinha assinado algum tipo de pacto mega ultra secreto que não me revelaria o nome do admirador nem com reza brava. Voltei para a minha sala com o arranjo nas mãos depois de vencer a barreira de curiosos que tentavam adivinhar quem seria o tal admirador ou que achavam que eu estava blefando. Pior é que não estava. Eu não fazia ideia de quem seria a criatura que tinha me mandado aquelas flores. Mas não posso mentir que não fiquei feliz. Afinal, que mulher não gosta de receber flores? Uma velha tática que funciona desde os tempos de Eva.

***

- Recebi flores hoje lá na agência... – eu contava para Lili e Betina em mais um de nossos happy hours de sexta-feira.

- Flores?! De quem?

- Eis a questão, Betina. Eu não faço ideia. O arranjo não tinha identificação. Vasculhei de cima a baixo e não encontrei uma pista sequer.

- Ai, que romântico!! Um admirador secreto!! Ou será um antigo admirador? Será que foi o Pierre?

- Tá maluca, Lili?! Aí que não teria nada de romântico ne? O cara casado e com filho. Demorou, mas parece que o Pierre finalmente se colocou no lugar dele.

- O Pierre eu também não acho, mas e se for o Pedro...

- Lá vem você, Betina, com essa história de novo. Duvido que o Pedro se daria ao trabalho.

- E se for o William?

- Piorou. Isso não faz o estilo dele, Lili. Além do mais, ele tomou um chá de sumiço.

Passamos mais algum tempo a divagar sobre quem seria o tal admirador. Dentre as suspeitas mais improváveis e os motivos mais absurdos e cabeludos que a nossa criatividade (quase) alcoólica conseguia imaginar fui surpreendida com um torpedo. “Espero que tenha gostado das flores. Bjs, Will”.

- Acabou o mistério. Foi o William. – respondi ainda um pouco passada. Ele era a última pessoa que eu imaginava que teria essa reação.

- Que romântico! – suspirava Lili – Hmmm...vai dar namoro hein? Quem sabe ele não inspira o Tavinho porque ultimamente eu não tenho ganhado nem bombom mofado.

- Isso tá cheirando cilada viu? O que ele aprontou para te dar flores? Se liga, hein, Diana. Isso tá me cheirando presente de grego. – era Betina quem me trazia à realidade ou me jogava um balde de água fria.

****

Ficamos mais um tempo no bar discutindo sobre os motivos para tal ato do William e segurando os meus dedos para não responder ao torpedo. As meninas acharam que era melhor eu manter um suspense.
Como o sono já queria me dar um abraço de urso, fechamos a conta e fui para casa. Na porta do meu prédio, fui surpreendida por um certo conhecido.

- Posso subir? – dizia William na janela do meu carro.

- Gostou das flores? – perguntava ele enquanto eu estacionava o carro na garagem.

- O que te deu? Flores para quê? – questionei ainda sob influência da opinião betiniana.

- Nossa! É assim que você retribui a uma surpresa? E tem motivos para dar flores a uma mulher bonita? – dizia ele se aproximando de mim e me espremendo contra o vidro do carro.

Não consegui resistir a essa cantadinha e me deixei influenciar pela opinião Liliana. Porque não viver um romance? Nem sei quanto tempo se passou. Só sei que nos amassamos, nos beijamos e transamos dentro do meu carro mesmo.
E a loucura continuou no meu apartamento madrugada adentro. Eu não conseguia resistir à todo aquele charme e sex appeal.

- Você é um louco mesmo! – eu dizia jogada na minha cama depois de mais uma transa.

- Confessa que você adora as minhas loucuras vai? – dizia ele me beijando.

As nossas semanas de amor duraram bem menos que nove e meia. Foram algumas semanas intensas. Pelo menos, umas três vezes na semana o William fazia plantão lá em casa e a gente fazia a festa.

****

- E aí já virou namoro? – perguntava Lili enquanto fazíamos a unha no salão de cabeleireiros num sábado ensolarado.

- Namoro que nada, Lili.

- E ele te mandou as flores para quê? Para nada?

- Temos que ir com calma ne? E eu não acho que ele queira isso. Outro dia, ele veio com uns papos que não quer se apegar, que é melhor assim e tals.

- Ih! Fica esperta. Te avisei. Ele só quis chamar a sua atenção e marcar território. – completava Betina.

- Mas vocês tem saído?

- Que nada, Lili. A gente só fica quando ele vai lá em casa. Tentei armar alguns compromissos nos finais de semana, mas ele nunca
pode. Acho que a última vez que saímos foi com vocês.

- Comodo demais para ele você não acha? Aparece na sua casa na semana, te come, encontra uma caminha quente, vai embora e no final de semana desaparece?!

****

Será que a Betina estava certa? Resolvi me afastar e observar a relação e as atitudes dele. Não senti nenhuma mudança significativa. William sumia, aparecia quando queria, aparecia de surpresa em casa durante a semana e ainda queria ser recebido com lingerie vermelha e velas!!! O problema é que eu tinha cansado dessa história.

- Oi, gataaaa... – era William que me ligara numa quinta-feira. – Estou pertinho da sua casa.

- Desculpe, Will, mas pode retornar e voltar para a sua casa.

- O que houve? – perguntou assustado.

- Eu não estou me sentindo bem hoje. Não vai rolar.

- Então deixa eu ir aí cuidar de você.

- Estou precisando de ar puro... tá afim de sair para jantar?

- Eu já comi, gata. Mas posso ir te fazer um carinho...aposto que você melhora. – insinuou.

- Carinho?! Obrigada. Preciso mais do que isso. A gente se fala outro dia. Beijos.

Desliguei o telefone e aposto que William ficou sem entender. Ainda deve estar procurando uma resposta, mas eu cansei de facilitar. A Betina estava certa. Aquelas flores tinham sido o maior presente de grego.

- Como anda o garanhão apaixonado? – perguntava Betina em um bate-papo na casa dela.

- Ihhh...em algum lugar que não ao meu lado. Você estava certa, amiga. Foi o maior presente de grego.

- Te falei. Ele queria chamar a sua atenção, mas usou o artifício errado. Se ele só queria te comer de vez em quando, não precisava ter mandado flores ne? Que coisa mais incoerente.

- Vai entender...só sei que canse de ser barranco dos outros. Olha, continuo adorando flores, mas se forem gregas...por favor, não me entregue.

PAPO DE CALCINHA: VOCÊ JÁ RECEBEU ALGUM PRESENTE DE GREGO?

sexta-feira, abril 12, 2013

ROTINA




POR LETÍCIA VIDICA

06h30. O despertador toca. Que musiquinha chata! Eu sempre prometo a mim mesma que vou trocar a música do despertador do celular, mas sempre esqueço e só relembro a minha promessa quando ele toca essa musiquinha chata. Ok. Eu já ouvi! Ainda tenho uma folguinha e o soneca vai me acordar. Viro para o outro lado da cama e esqueço da vida. Meu nome, que dia é hoje e que eu tenho que trabalhar.

07h00. Meu Deus! Estou atrasada. O despertador tocou? Eu juro que ativei o soneca. Quase sempre sou surpreendida por isso também. Levanto correndo, tropeçando nos meus passos e zonza de sono. Corro para o chuveiro. Tudo tem que ser milimetricamente calculado, mas todo dia é sempre igual.

Depois do banho, começa a saga da roupa. Eu tenho costume de pensar na noite anterior o que vou vestir no dia seguinte. O problema é que, quase sempre, no dia seguinte eu nunca acho alguma peça que eu escolhi. Ai, meu Deus, cadê aquela camisa? Eu jurava que eu vi essa bendita aqui no meu guarda-roupa. Desmonto o meu armário inteiro. Peça para lá, peça pra cá e nada de achar a tal da blusa. Até que algum anjo me faz lembrar que ela está para passar.

Caramba! Quase 8h. Cama desarrumada, guarda-roupa revirado (mais um sinal de que preciso parar esse final de semana para arrumá-lo). Sem escolha, visto uma roupa qualquer. Ai, não estou me sentindo bem, mas o relógio me olha feio e diz em alto e bom som que não temos tempo para sentir nada. Ops! Mas essa bolsa amarela não está combinando com a minha blusa. Rapidinho passo as tralhas, carteira, papel, guarda-chuva e tudo o mais de uma bolsa a outra.

Em direção à saída do meu apartamento, organizo uma coisa e outra pelo caminho. Pego um iogurte na geladeira para beber elevador abaixo. Falando em elevador, é um inferno espera-lo de manhã. Horário de pico no prédio. Congestionamento nos andares. Inquieta, aproveito para ir desembaraçando o meu cabelo e adiantar a maquiagem que, por conta do meu atraso, nunca consigo fazer com calma.

Minutos intermináveis depois, o elevador chega e sou surpreendida por quase todo o meu prédio que me olha espantado ao me ver passar o rímel. Disfarço e procuro um espaço naquela sardinha ambulante. Como não sou de muito papo pela manhã, esboço apenas um sorriso para não parecer antipática. Sempre bom manter a política da boa vizinhança, mas tem sempre um abençoado bem humorado que fala pelos cotovelos assassinando o silêncio tão precioso das manhãs.

****

Simbora enfrentar a parte mais saborosa do meu dia: o congestionamento. Ligo o rádio numa estação que toca notícias e nada mais deprimente do que ser bombardeada de informações sobre quantos morreram na noite passada, sobre mais uma promessa política (que jamais será cumprida), sobre mais um acidente e sobre mais um dia de quilômetros e quilômetros de congestionamento. Daí, começo a pescar uma estação e outra pelo rádio. Paro sempre naquela que costuma tocar nos consultórios de dentistas. Uma musiquinha mais leve para começar o dia. Quase sempre são sempre as mesmas músicas, mas cantarolo mesmo assim.

Anda. Para. Acelera. Para. Dá a seta! Tirou carta à distância? Tento ser calma no trânsito, mas a folga das pessoas me transforma. E é assim durante uma hora e meia de pura diversão no trânsito. Aproveito para dar uma olhadinha nas minhas redes sociais, consultar e responder os e-mails da empresa que já lotam minha caixa postal e atender sempre uma ligação de alguém da agência avisando sobre uma reunião surpresa. É de propósito. Por que as reuniões surpresa só acontecem quando eu estou atrasada?!

***

Ainda bem que posso me dar ao luxo de abandonar o meu carro com o manobrista. Se não o meu atraso seria maior. Desço correndo, cumprimento o seu João educadamente que sempre elogia as minhas roupas (mesmo no dia que me sinto a pior das mulheres). Pareço política cumprimentando Deus e o mundo até chegar ao elevador e tentando achar o meu crachá na bolsa (que sempre se perde no triângulo das bermudas que existe dentro delas).

O mesmo congestionamento do elevador meu prédio, também enfrento no meu trabalho. Mas aqui não são minutos intermináveis. São anos. E subir de escada é inviável: eu trabalho no 30º andar. Ufa, chegou! Bem na hora que meu celular toca e posso ver que é alguém da agência me ligando. Ignoro a ligação e rezo para que subir 30 andares seja rápido. Sempre alguém repara a minha pressa e é sempre algum parente do meu vizinho abençoado que desata a conversar. Será que não dá para perceber que eu estou atrasada demais para conversa?!

***

Entro na agência desesperada, mandando bom dias coletivos. Jogo minha bolsa na minha sala e minha secretária já me acompanha relatando todas as ligações, missões e me alertando sobre o bom humor do chefe. Dou uma paradinha e uma respiradinha inspiradora na porta da sala de reuniões e entro com o meu melhor sorriso de comercial de creme dental. Cumprimento a todos, finjo ignorar a cara de diarreia do meu chefe e sua olhadinha sutil para o relógio (como quem me cobra pelo atraso). Coloco a culpa no trânsito e ganho a maioria que também desata a reclamar como o trânsito dessa cidade está cada dia mais caótico.

Depois de estabelecida tento me concentrar. É mais uma daquelas reuniões que começam no café da manhã e só terminam no jantar. Discussões, estabelecimento de metas, cobranças, cobranças e mais cobranças. Conclusão: quase sempre nenhuma. Mas todo mundo finge que entendeu e sai com cara de paisagem.

Como a reunião me consome quase toda a manhã, a velha e boa saída para o almoço é um lanchinho rápido. Aproveito para comer na minha mesa mesmo enquanto respondo aos trilhões de e-mails que lotam a minha caixa postal. Entre um email e outro, uma ligação da minha mãe para contar mais um problema de casa (ou melhor, mais uma que meu irmão aprontou), outra ligação da Betina marcando algum happy hour para a semana, uma ligação da Lili choramingando pelo Tavinho e sempre finalizo com uma ligação do meu chefe chamando para mais uma reunião. Dessa vez, uma videoconferência. Haja, reunião. Que tanto as pessoas gostam de se reunir?

Mais uma tarde inteira afogada em uma reunião. Resultado: vou sair mais tarde do trabalho. Até porque acumulei várias coisas que a tal reunião não me deixou fazer e tenho que entregar o esboço de uma super campanha que acaba de ser criada nessa reunião.

***

21h30. Afogada e concentrada em trabalho sou interrompida pelo silêncio na agência. Meu Deus! Com toda a educação, a faxineira entra na minha sala e pergunta se não me incomodo se ela limpar por ali. Hora de ir para casa.

A única vantagem da volta é que vou fugir do congestionamento do elevador e das ruas. O trânsito é outro. E, no meio do caminho, meu estômago anuncia que a última refeição que fizemos foi o almoço. Hora de comer. Ops! Lembro que a geladeira está vazia. Bora parar no supermercado para fazer umas comprinhas rápidas.

... rapidez que dura quase uma hora e meia. Aproveitei e fiz logo a comprinha do mês e proporcionei um rombo na minha conta quando vejo o total na telinha do caixa.

23h30. Chego em casa acabada e mergulhada em sacolas. Preparo um lanchinho e me jogo no sofá, mas não posso me dar ao luxo de dormir porque tenho um projeto para terminar. Mergulho minha carinha e minha mente (nada) criativa a essa altura da noite na frente da telinha do meu notebook e entro madrugada afora.

02h30. Não sei mais o meu nome, quem eu sou e o que estou fazendo acordada àquela hora. Projeto finalizado. Me jogo no chuveiro para tirar a sujeira e o cansaço do dia. Sou levada pelo meu corpo inconsciente para a cama e apago. Amanhã, 06h30, começa tudo de novo e vai ser sempre assim.

PAPO DE CALCINHA: TODO DIA É SEMPRE TUDO IGUAL PARA VOCÊ? QUAL É A SUA ROTINA?