quarta-feira, maio 26, 2010

NO DIVÃ


Por Letícia Vidica

- Nossa, Diana, tenho te achado tão cabisbaixa e quieta esses dias. Aconteceu algo? – perguntava Cristina, uma das minhas colegas de trabalho enquanto olhávamos a vitrine de algumas lojas na hora do almoço

- Ah, sei lá, Cris. Ando meio desanimada sabe? Estou achando a minha vida meio sem sentido, não sinto mais prazer em fazer quase nada...tô de bode! – eu respondia com total desânimo enquanto olhava um sapato verde na vitrine da loja

- Ah, eu bem sei o que é isso. Já me senti assim como você, mas graças a Jane, a minha vida mudou.

Jane? Quem seria essa tal de Jane? Faltou pouco para eu gritar “Pelo amor de Deus, me apresenta a Jane!”, mas Cristina foi mais rápida na explicação...

- A Jane é a minha terapeuta. Ela é ótima. Estou com ela há um ano e meio e não vivo mais sem ela. Acho que você deveria ir lá, marcar uma hora. Aposto que ela vai te ajudar. Quer que eu te dê o telefone?

Aquela foi uma das perguntas que ficaram me martelando até o final do dia. Terapeuta? Será que o meu caso era tão grave a ponto de uma terapia? Não que eu tenha preconceitos ou talvez eu tenha, mas sempre achei que um desabafo no bar do Pedrão, uma choradinha no ombro da Betina ou uma boa noite de sexo resolveria os meus problemas. Porém, naquele momento tudo isso só piorava o meu estado de espírito.

- Acho que vou começar a fazer terapia. O que vocês acham? – eu questionava à Lili e Betina durante mais um de nossos encontrinho no apê da Betina.

- A maior perda de tempo do mundo – respondia prontamente a dona da pensão – eu já gastei muita grana com isso e não resolveu nada. Só dinheiro jogado fora e horas falando de mim para alguém que mais parecia uma parede

- Ah, eu acho ótimo. Não escuta ela não, Di. Todo mundo precisa de terapia na vida. Eu já fiz, me ajudou muito e estou louca para retomar, pena que já recebi alta.

- Então o seu terapeuta te deu alta porque não agüentava mais te ouvir falar do Otávio e das burrices que você faz né? – retrucava Betina

- Não sei, gente. Ando meio triste, cheia de questionamentos, sem rumo...a minha colega lá da agência me indicou a terapeuta dela e meus dedos estão coçando para eu ligar.

- Você é quem sabe, Diana. Só acho que não vai adiantar...

- Só porque você não quis se ajudar na terapia, dona Maria Betina, não significa que a Diana não vai ser ajudada ok?

Antes que as duas se atracassem no sofá, resolvi mudar o rumo da conversa, mas não o rumo dos meus pensamentos. Passei a semana inteira relutando comigo mesma se eu ligaria ou não para a terapeuta. Sempre fui daquelas de achar que terapia era coisa de louco ou de gente rica que não tem o que fazer ou com o que gastar dinheiro, mas talvez tivesse chegado o momento no qual todas as minhas teorias preconceituosas iam por água abaixo.

Durante aquela semana, tentei de tudo para levantar o meu astral. Comprei roupas novas, fui ao cinema, tentei responder sozinha a todos os meus questionamentos até apelei indo na casa da minha irmã choramingar as pitangas com ela. E me surpreendi ao descobrir que até a quadrada da minha irmã - casada há séculos e obediente àquele marido grosso e gordo - já tinha feito terapia uma vez na vida (e a danada não me contou nada?!)

Resolvi tomar coragem e marquei uma sessão com a tal da Santa Jane. No trajeto até o consultório, fui rezando para que ela fosse uma santa mesmo e me desse uma solução para os meus problemas. Também não contei a ninguém que estava indo lá, nem mesmo para as meninas, afim de evitar qualquer pré conceito e se eu não gostasse seria apenas um segredo íntimo entre a tal da Jane e eu.

Chegando ao consultório, me deparei com uma sala bem aconchegante com um sofá branco e tão fofo que dava vontade de se jogar e dormir na hora. Uma mulher morena, alta e de óculos me atendeu. Era a tal da Jane. Sorridente, me fez entrar, sentar e ficar o mais à vontade possível. Será que alguém é capaz de ficar à vontade com uma pessoa que nunca viu na vida prestes a saber os seus segredos mais íntimos? Mas confesso que eu me esforcei...

- Fico feliz que tenha vindo me procurar, Diana. Espero que eu possa lhe ser útil. Quero que saiba que eu não estou aqui para julgá-la, então não tenha medo de me dizer o que lhe aflige – a voz dela era doce e mansa que me fez lembrar a minha primeira professora do primário e o seu sorriso era brando que conseguiu ir me acalmando.

- Bem, doutora, ou melhor, Jane... eu resolvi apelar para a sua ajuda porque me sinto muito confusa ultimamente...sem ânimo para fazer as coisas e sem saber quem sou eu...me sinto como alguém que está nadando para chegar na praia e nunca chega...minha vida amorosa está uma bosta...só encontro homens que não querem saber de compromisso ou que só entram na minha vida para magoar meu coração...o meu trabalho não me dá mais prazer...trabalho dia e noite como um burro de carga e não vejo recompensa...

Desatei a falar das coisas que me afligiam e nem vi o tempo passar. Era como se eu e a Jane fôssemos velhas amigas. Confessei a ela coisas que nunca tinha dito a ninguém e aos poucos fui me sentindo mais aliviada e retirando um peso no ombro que parecia pairar sobre mim...

- Diana, a culpa das coisas da nossa vida darem certo ou errado é nossa mesmo. A gente é quem conduz a nossa vida. Você é quem sabe a resposta para tudo que quer saber. Basta saber se ouvir e você vai encontrar.

Mas como assim? Eu passo cinqüenta minutos falando sobre mim, querendo uma resposta para essa mulher me dizer que eu tenho a resposta?! Quero o meu dinheiro de volta.
Saí de lá batendo as tamancas, mesmo sob a recomendação de voltar na semana seguinte.

- E aí, Di, fiquei sabendo que foi lá na Jane...gostou? – gritava Cristina no meio da recepção da agência quase esbanjando o meu segredo mais obscuro

- Ah, eu gostei sim – respondi com o maior esforço de falsidade que pude

- Já vi que não gostou. Mas não desanima, não. Ela é ótima. É uma questão de costume.

Seria apenas uma questão de costume? Passei a semana seguinte inteira me questionando se eu voltaria à terapia ou não. Achava até que estava me sentindo melhor, mais aliviada. Não precisava mais de terapia. Pronto, eu não vou.

Eu não iria até ter um pesadelo numa noite dessas. Sonhei que estava dentro de uma piscina me afogando e que várias pessoas me olhavam ao redor e riam de mim sem me ajudar. Acordei assustada e suada no meio da noite e despenquei a chorar.

Incrivelmente, chorei por quase uma hora. Não era um choro de TPM (eu tinha acabado de menstruar) e muito menos de tristeza. Foi um choro chorado de uma forma que eu nunca chorei.

No dia seguinte, aquele sonho me perseguiu. E, antes que eu ficasse louca, dei meia volta no quarteirão e toquei o carro para o consultório da Jane. Eu estava resolvida a dar mais uma chance a ela, mas apenas uma!

- Diana, que bom de te ver de novo – disse a terapeuta me dando um abraço maternal

Sentei e desatei a falar. Disse a ela sobre o meu pesadelo e a minha reação depois dele. Ela tentou me ajudar a interpretá-lo e disse que aquilo era um sinal de algo na minha vida que não ia bem e que as pessoas do sonho não me ajudaram porque apenas eu é quem poderia me autoajudar a sair daquele sufoco. Uma loucura dessas, mas que até fez sentido.

Comecei a falar mais sobre a minha vida desde a decisão de sair da casa dos meus pais para poder ter mais liberdade até o fato de estar sempre tentando encontrar o meu príncipe encantado e cair do cavalo. Enquanto eu revivia alguns momentos da minha vida, desatei a chorar de novo. Jane me cedeu uma caixa de lenços e eu chorei como uma criança que perde a chupeta.

O mais engraçado de tudo é que não tive vergonha de chorar na frente da Jane e, apesar dela mais me ouvir do que falar, comecei a perceber algo muito importante – acho até que isso é a chave da terapia – comecei a me ouvir.

- Diana, você é um passarinho que nasceu para voar. Você tem essa necessidade de ser livre. Sair da casa dos seus pais não foi apenas uma decisão cômoda, mas foi uma forma de dizer a eles que você é livre e de respirar melhor. Essa sua busca incessante pelo príncipe não é à toa. Acho até que você já possa ter encontrado bons pretendentes a príncipes, mas resolveu relutar a eles do que talvez ter que podar a sua liberdade.

Tudo ainda parecia um pouco confuso quando saí do consultório, mas as frases ditas pela Jane não saíram da minha cabeça durante o resto dos dias.

Sem me dar conta, percebi que eu precisava daquela terapia e que eu não estava ficando mais ou menos louca com aquilo. Eu apenas estava sendo apresentada a uma pessoa tão próxima de mim,mas que eu desconhecia: eu mesma. Toda vez que eu ia nas sessões, saía de lá com questionamentos que me faziam refletir ou tinha o prazer de encontrar respostas que estavam diante dos meus olhos mas que eu não conseguia ver.

E assim se passoaram os dois anos de terapia que tive com a Jane. Sem perceber, eu tinha resolvido todos os impasses da minha vida. Podia muito bem me virar sem ela agora e acabara de receber a tal da ‘alta’.

- Tentei te ligar ontem à noite, mas deu caixa postal, o que houve? – perguntava Betina

- Fui na Jane.

- Jane?! Quem é essa? – perguntava minha amiga sem me dar conta de que eu tinha mantido esse segredo das sessões

- Ah era a minha terapeuta.

- Terapeuta? Você estava fazendo terapia e nem nos disse nada?

- Dois longos e ótimos anos. Dizer para quê? Para você me sacrificar na cruz? Quem não te conhece que te compre, dona Betina. E se quer saber? Foi a melhor coisa que fiz da minha vida.

- Bem que eu percebi você um pouco mudada mesmo...mas e aí deu resultado? Ela é boa? – perguntava Betina com ar de curiosidade

- Quer saber para quê? Você não acredita nessas coisas...

- Ah, Di, sabe como é né...vou confessar...acho que agora eu é que estou precisando de terapia. – confessava ela com vergonha de assumir tal coisa

- Ai, Betina...então anota o telefone da Santa Jane.

Não só indiquei a Jane para a Betina como para todos que se aproximavam de mim e falavam de terapia. Mesmo sem precisar continuar as sessões, a minha mão ainda coça com vontade de querer voltar. Acho que sempre vou precisar da Jane hahahahaha

PAPO DE CALCINHA - VOCÊ JÁ FEZ TERAPIA?

sexta-feira, maio 21, 2010

ME DEIXE SÓ



Por Letícia Vidica

Trim, trim...

- Oi, Diiiiii – pela empolgação nem precisava adivinhar que era a Lili no telefone – te dou meia hora para se trocar que eu estou passando aí. Tem baladinha nova no pedaço. Vamos comer uma feijuca e curtir um padodinho hoje, que tal?

- Ah, valeu, Li. Mas eu não vou sair de casa hoje não. Vou ficar de pipoca e DVD. Aluguei uns filmes, comprei uns beliscos...tô sem clima de sair hoje.

- Como assim, Diana?! Vai ficar enfurnada nesse apartamento nesse sábado de sol? Eu não creio. O que houve? Tá de deprê? Não vai me dizer que bateu a depressão por causa do Pierre hein?

- Não é nada disso, Li. Eu só não quero sair. Tô afim de ficar quietinha no meu canto pode ser

Um pouco inconformada com a minha negativa, Lili desligou o telefone. Mas eu tinha direito de querer ficar quieta no meu canto. Eu tenho o direito de ficar só. O problema é que as pessoas nem sempre entendem isso. Por que será que querer ficar um pouquinho mais com você mesma incomoda tanto?
Sou uma pessoa que adora sair, ver gente, estar no meio do agito...mas tem hora que eu preciso recarregar as energias e eu gosto de ficar sozinha. Foi por essas e outras que optei por ter o meu próprio canto.

*************

Eu estava em mais um daqueles finais de semana da preguiça. Quase meio-dia e eu ainda estava de pijamas e de pantufas. Cama desarrumada e sem hora para arrumar. Cabelo despenteado. Nem ao menos me lembrava se tinha escovado os dentes.
Sentada no sofá, comecei a planejar o meu dia. Primeiro, iria me arriscar na cozinha fazendo um bolo de cenouras que peguei a receita num programa de culinária outro dia. Depois, ia me jogar na cama e ler mais uns dois capítulos daquele livro que eu comecei há uns dois meses. Então, vou me jogar debaixo das cobertas e assistir àquela comédia romântica (que eu já sei o final) – um dos dez filmes que eu aluguei para assistir no final de semana -, tirar um cochilo, ouvir uma música – ai que saudades daquela coletânea do Djavan...

Enquanto eu divagava em meus pensamentos por mais de uma hora esparramada no sofá, minha campainha tocou. “Ai, não. Visita não. Vou pedir pro porteiro dizer que nesse final de semana eu morri”. Abri a porta e nem sei por que fiquei surpresa ao ver Betina e Lili.

- Eu tinha que vir até aqui para comprovar se isso era verdade!!! Não to acreditando que você está mesmo de pijamas num sol desses?! – recriminava Betina

- E posso saber qual é o problema de ficar de pijama num sábado desses dentro da minha própria casa?

- Eu disse que não ia adiantar vir até aqui, Betina.

- E não adiantou mesmo, Lili. Nem vem que não tem que esse final de semana eu não arredo o pé de casa.

- Tá ficando louca, Diana?! Pode ir tomando um banho, colocando uma roupitcha que a gente vai piriguetar.

- Betina, eu não vou sair! – tive que ser dura para ela entender que eu não estava afim

- O que houve, Diana? Vai me dizer que tá com depressão melancólica? Só pode ser por causa do Pierre!

- Gente, não tem nada a ver com o Pierre. Como vocês são chatas hein? Eu só quero ficar sozinha no meu canto. Não estou afim de sair. Divirtam-se

Minhas amigas ainda ficaram mais uma hora tentando me convencer a sair de casa, mas eu estava decidida a ficar sozinha no meu canto. Eu tinha esse direito e a minha vontade ia ser cumprida. Depois de tanta insistência e sob várias recrimações contra a minha pessoa, elas foram embora

Resolvi então ir para a cozinha para começar a minha arte culinária. Enquanto isso, liguei o som no volume mais alto que pude e fiquei cozinhando e cantando juntinho com o Djavan

**************

Trim, trim, trim...
“Ai, não! Quem é agora? Se for as meninas, eu vou ter que engrossar...”

- Diana?

- Oi, mãe! – pior que as meninas me enchendo era ligação da minha mãe. Eu ia ter que escutar.

- Não sei para quê vocês compram essa baboseira de celular. Ninguém atende. Estou te ligando desde cedo e nada de você atender essa porqueira

- Tudo bem, mãezinha? O que manda?

- Estamos aqui na chácara da sua tia. Vem para cá. Os seus primos estão todos aqui.
- Ai, mãe, manda um beijão em todos, mas eu não vou sair de casa.

- Como não? Você adora vir para chácara. E está o maior sol!!!

“Caramba, São Pedro. Podia ter chovido esse final de semana NE? Talvez assim as pessoas entenderiam mais a minha vontade de ficar só”

- Eu sei, mãe. Mas eu não estou afim de sair de casa

- Aposto que tem homem no meio. Quem foi que te magoou dessa vez? Se foi o Pierre, eu mato ele.

- Calma, mãe. Não tem homem no meio e muito menos é culpa do Pierre. Eu só quero curtir o meu apê um pouco. Tenho mil coisas para fazer aqui

- Tem certeza que não aconteceu nada? Você tinha que vir. Mas nunca tem tempo para sua família mesmo né?

A minha mãe já não engolia muito bem o fato de eu ter ido morar sozinha. E muito menos entendia quando eu queria ficar sozinha. Sempre jogava sujo para me amolecer, mas hoje ninguém vai me fazer mudar de idéia.

***********

Resolvi voltar à cozinha e para o meu bolo de cenoura que já tinha assado enquanto eu conversava com a minha mãe no telefone. Falando nele resolvi desligar para que ninguém me achasse. Peguei um pedaço de bolo quente (eu adoro bolo quente), me joguei embaixo das cobertas e liguei o DVD.

Finalmente, consegui passar as duas horas do filme em paz e silêncio absoluto. Achava que o meu momento solidão estava começando ali. Depois do filme, adormeci, mas a campainha me acordou.

- Pierre?!

- Oi, Di.

- Tá fazendo o que aqui?

- Resolvi passar aqui para te ver, buscar um abrigo.

“Tudo que eu menos precisava era do Pierre quase às dez da noite na minha casa”

- Como assim buscar um abrigo?!

- Sabe como é né...bateu a saudade – dizia Pierre já me abraçando e com segundas e terceiras intenções

- Sinto muito, Pierre. Mas hoje não dá não. Volta outro dia...

- Vai sair?

- Não. Vou ficar aqui, mas to afim de ficar sozinha.

- Ixi...já vi tudo...tá menstruada...só pode ser TPM.

- Caramba!!! Será que eu não tenho o direito de querer ficar só? Todo mundo hoje deu para pegar no meu pé?

- Tá bom, tá bom...não precisa ser grossa. To indo embora. Falei que era TPM!!

Bati a porta na cara dele e fiquei bufando pela casa. Daí me dei conta que o dia estava acabando e eu não tinha conseguido ficar em paz comigo mesma. Uma coisa tão simples. Quem seria o próximo a me infortunar? Não atendo mais ninguém. Morri para o mundo.

Sentei na varanda com o meu livro e comecei a me deliciar na leitura e varei a madrugada lendo. Por incrível que pareça, consegui terminá-lo e só me dei conta de que o tempo tinha passado quando vi o sol raiar. E, graças a Deus, ninguém mais tinha me procurado.

Resolvi ir para cama para dormir. Eu não tinha pregado o olho a noite toda e precisava descansar. Quando eu me ajeitava para deitar, a campainha tocou. EU NÃO VOU ATENDER! EU NÃO VOU ATENDER!

A insistência foi tanta que resolvi atender. Era o meu síndico me lembrando que hoje tinha reunião do condomínio e que começaria dentro de quinze minutos. Tentei me esquivar, mas ele me lembrou de que eu já tinha faltado em três reuniões. Vesti um agasalho velho e fui pra tal reunião do condomínio.

Mal consigo me lembrar qual foi a pauta da assembléia porque os meus olhos não conseguiam parar abertos. Depois de minutos intermináveis,a reunião acabou e eu percebi – avisada pelo ronco do meu estômago – que eu estava sem comer nada desde o início da noite passada. Apenas tinha me alimentado de leitura.

Contra os meus princípios, fui até a padaria comprar pão. E, no retorno, na volta do meu prédio me deparei com a Betina.

- Resolveu sair de casa caramujo? Nossa que cara é essa? A noite foi boa hein? Sabia que você tinha outro compromisso e não quis me contar.

- Betina, pára de ser boba. Passei a noite em claro lendo um livro. E foi a coisa mais maravilhosa que consegui fazer nos meus poucos momentos de solidão.

- Mas vai abrir uma exceção hoje ou ainda tá de greve?

Eu adoraria ficar só também no resto do meu dia, mas vi que não ia dar certo. Resolvi levantar bandeira branca e voltar ao mundo. Subi para tomar um banho e depois fui almoçar com a Betina.

Cheguei a conclusão que da próxima vez que eu quiser ficar só, eu vou ter que ir para Marte ou me acampar no meio da floresta. Tudo porque é simplesmente impossível ficar só.

PAPO DE CALCINHA: VOCÊ TAMBÉM GOSTA DE FICAR SÓ NO SEU CANTO? TEM MUITA DIFICULDADE EM CONSEGUIR UM MOMENTO DE PAZ?

sábado, maio 01, 2010

EVA VENENOSA


Por Letícia Vidica

- Meninas, queria que vocês conhecessem esta noite uma pessoa muito especial para mim - dizia Betina com brilho nos olhos

E quem mais poderia ser especial para ela a não ser eu e a Lili? Ah claro, obviamente, antes viria sua família, mas o pouco que nós sabíamos da família da dona Maria Betina bastava para saber que eles não eram tão especiais assim para ela.

- Num creio que você desencalhou! - palpitava erroneamente Lili
- Lá vem você colocando homem na conversa. Quem disse que especial combina com a figura masculina?! - respondia Betina já perdendo o rebolado
- Fala logo, Betina
- A Juju. Ou melhor, Juliana. A Juju era minha vizinha na infância, éramos melhores amigas de colégio, trocamos confidências até a adolescência até que a família dela se mudou de cidade e a gente perdeu o contato.
- E o que essa Juju que sumiu e reapareceu tem de tão especial? - perguntei com uma pontinha de ciúme daquela nova melhor amiga da Betina
- Gente, sabem o que é isso? Eu reencontrei minha primeira melhor amiga. E nem venham com ciuminho besta que coração de mãe Betina é bem grande. Sendo assim, hoje, oito horas da noite, jantarzinho especial lá em casa ok?

Nem tivemos como negar o convite. Apenas nos olhamos e concordamos em comparecer no jantar especial. Confesso que estava morrendo de curiosidade para conhecer a tal Juju.

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Na hora marcada e pontualíssimas, eu e a Lili estávamos na casa da Betina que, pela primeira vez, estava de barriga no fogão.

- O que uma melhor amiga não faz né, Di? Olha lá a Betina no fogão. Isso merecia registro pro Youtube - ironizava Lili

- Parem de me encher o saco e me ajudem aqui que eu estou toda enrolada. A Juju já deve estar chegando...

... e chegou. Naquele instante, a campainha tocou e nos deparamos com uma loira de farmácia, com peitos turbinados de silicone, olhos verdes (que até hoje aposto que são lente de contatos). Uma cópia pirata da Paris Hilton. Eu podia imaginar tudo. Menos que a Betina, tão séria e cheia de pudores éticos, tinha como melhor amiga uma perua como a prima distante da Paris Hilton. Me segurei para não rir.

- Baby - disse a Juju gritando - desculpe a demora. Não estou mais acostumada com esse trânsito caótico de São Paulo.

- Que isso. Entre, Ju - disse Betina entre beijinhos - ah queria te apresentar as meninas. Essa é a Diana e essa é a Lili.

- Prazer - dissemos orquestradamente eu e Lili.

Juju se juntou a nós no sofá e começou a tagarelar sobre a vida dela enquanto Betina terminava o jantar. Por mais que ela tentasse ser simpática, algo naquele rosto de Angélica me dizia estar errado.

A noite até que fluiu bem. O rango da Betina foi comestível e a Juju tagarelou a noite toda sobre sua vida. Disse que estava morando em Londres e que estava apenas de passagem no Brasil. Disse que estava hospedada num flat, mas Betina rapidamente ofereceu que ela ficasse no seu apê. Acho que queriam trocar figurinhas do passado de novo. E a boa moça, claro, aceitou. Segundo Juju, ela era secretária de um banqueiro londrino e estava noiva de um bon vivant.

- Ai, Lili, não sei não, mas eu não gostei dessa amiguinha da Betina - eu dizia enquanto voltava para casa de carona com a Lili

- Tá com ciúmes é, Diana?

- Não é ciúmes. Sei lá, meu santo não bateu com o dela e eu não gosto de sentir iso. Isso tem cheiro de Eva Venenosa.

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Depois do jantar especial, Betina resolveu fazer um happy hour especial e levou a Juju para o bar do Pedrão nos nossos encontros de sexta-feira.

- Nossa, estou tão feliz. Agora posso dizer que somos o Quarteto Fantástico! - dizia Betina cheia de alegria e levantando o copo de chop para um brinde
Aquele cena não seria tão ridícula se não fosse a Betina.

- Ai, gente, estou adorando ficar aqui. O Brasil me faz muita falta sabia?
- Então você não vai mais voltar para Londres? - eu perguntei
- Infelizmente, eu vou...mas adoraria ficar... - disse a Paris com cara de anjo
- E aposto que ficaria de mala e cuia na casa da Betina.
- E qual o problema, Lili? - questionava Betina
- Nenhum. A casa é sua mesmo né?

O clima ficou meio pesado depois disso, mas eu tentei desbaratinar e começamos a jogar conversa pro ar. Para minha surpresa, Pierre apareceu no bar e se juntou a nós. Durante toda a noite, eu percebi Juju jogando olhares e insinuações para ele. Me fingi de morta, mas comecei a sacar que de anjo ela não tinha nada.

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Um mês depois do happy hour, nunca mais eu tinha visto a Betina. Toda vez que a gente ligava ela nunca estava em casa ou, segundo Juju, sua secretária, ela nunca podia falar com a gente.

- Tem visto a Betina?
- Desapareceu, Lili. Acho que está ocupada demais para nós com a amiguinha de infância dela.
- Que tal aparecer lá de surpresa? Quem sabe assim ela nos atende né.

Resolvemos nos desbancar até a casa da Betina e lá estava ela...

- Meninas, que surpresa!!! Porque vocês sumiram?
- Como assim, NÓS sumimos?! - perguntava Lili já ficando puta da vida -
a gente te ligou o mês inteiro, mas parece que você estava muito ocupada para as velhas amizades.

- Eu nunca soube que vocês me ligaram
.
- Acho que a sua amiguinha Juju não quis avisar...

- Ai, gente, vai ver ela esqueceu...

- É bem o que ela quer mesmo né? Fazer com que você se esqueça da gente - dizia Lili

- Não estou entendendo as suas ironias, Liliana - questionava Betina

- Ah não? Eu te explico. Você quer bancar a toda cheia de moral, mas não vê o qual podre e venenosa que essa sua amiguinha é. Ela não passa de uma aproveitadora e encostada que não sairá da sua casa tão cedo e além do mais daqui a pouco nem as amigas você vai ter mais.

- Quem você pensa que é, hein, Lili? Só porque eu tenho outras amigas? Só porque eu não fico só derramando as minhas ladainhas idiotas em cima de uma única pessoa?

Antes que a baixaria descesse ainda mais o nivel, Lili pegou a bolsa e resolveu se retirar com a promessa de que a amizade tinha acabado.

- Acho que você pegou pesado, Betina.

- Pesado? Quem ela pensa que é para vir na minha casa e me dizendo essas maluquices?

- Desculpe, minha amiga, mas a única louca aqui é você. Você está tão cega com essa amizade que não vê que está criando um Eva venenosa dentro da sua casa. Você é macaca velha, Betina. As pessoas mudam. A Juju pode já não ser a mesma boa e inocente adolescente que você conheceu. Pensa nisso.

Peguei minhas coisas e resolvi deixar Betina refletindo sozinha. Na saída do prédio, tive o desprazer de encontrar Juju voltando de sua corrida matinal.

- Oi, Diana, você por aqui?

- Sim e porque do susto?! Já que você resolveu não repassar os nossos recados para a Betina viemos até aqui.

- Eu?!

- Olha, Juju, vamos combinar uma coisa? Comigo não ok? A Betina pode até cair no seu joguinho de boa moça, mas eu estou vacinada contra isso. Conheço muito bem o seu tipinho e olha só acho bom você manter distância do Pierre também ok? Tenha um ótimo dia, QUERIDA.

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Depois do choque de realidade, minha amiga Betina simplesmente desapareceu. Confesso que fiquei super chateada pelo sumiço acreditando até que ela tinha feito sua escolha de amizade. Errada, mas uma escolha.

Numa dessas sextas-feiras típicas, eu e a Lili resolvemos manter a tradição e fomos tomar nosso chopinho com frango a passarinho no Pedrão.

- Ainda não creio que a Betina sumiu.
- Nem me fala daquela falsa.
- Calma, Lili. Ela está cega. Eu tenho fé que ela vai se tocar e eu também dei o meu recado para a Juju naquele dia. Nos encontramos na saída do prédio.

Enquanto eu contava para a Lili o que eu tinha dito, a Betina adentrou no bar. Sozinha. Se aproximou da nossa mesa e perguntou se podia se sentar.

- Agora está sozinha e quer se aproximar.
- Pode me escurraçar, Lili. Eu mereço. Meninas, eu espero que vocês ainda possam me perdoar. Eu fui uma cega.

Diante todo aquele arrependimento de Maria Madalena, fiquei curiosa em saber o que tinha ocorrido. E a minha tese se confirmou.

Betina contou que descobriu que a Juju não passava de uma estelionatária falida. Ela tinha voltado ao Brasil fugida porque tinha aplicado um golpe em Londres e não queria uma amizade e sim um abrigo. Por isso, ela preferia nos afastar para evitar que alguém descobrisse a verdade. Lendo uma agência internacional de notícias, Betina descobriu que ela era procurada e a escurraçou de casa.

- Pois é...isso prova que nem sempre você tem a voz da razão, né Betina? - dizia Lili
- Vou lhe dar mais ouvidos, Lili. Me perdoa?

E com um brinde de choppe selamos nossa reconciliação.

PAPO DE CALCINHA: Você já teve uma Eva Venenosa em sua vida?