sexta-feira, dezembro 16, 2011

REUNIÃO DE FAMÍLIA



Por Letícia Vidica


- Nossa, quem morreu? – perguntou Pedro ao ver a minha cara de desânimo ao desligar de uma ligação com a minha mãe.

- Minha mãe chamou a gente para almoçar na casa dela amanhã.

- E precisa ficar com essa cara de velório?

- Não ficaria se minha mãe não tivesse arrumado um pretexto para chamar toda a família para conhecer o novo namorado da Diana!!! – bufei.

- Ótimo!!! Vou adorar conhecer a sua família toda... acho até que vou dar uma ligadinha pro sogrão para saber se ele quer uma ajudinha na churrasqueira... posso fazer aquela minha caipiroska. Minha especialidade!!!

Enquanto o Pedro delirava planejando o churrasco na casa dos sogrinhos, eu tentava me acostumar com a idéia de que aquele almoço era uma espécie de celebração ao meu desencalhe. Tudo que eu menos queria. Tudo que eu sempre implorei para que minha mãe não fizesse, mas ela nunca me ouve mesmo né? Agora bastava me vestir de paciência e agüentar o mico.

***

- Diana, anda logo!!!! – gritava Pedro do hall do meu apartamento segurando o elevador.

- Tem certeza que quer ir? Eu posso ligar e dar uma desculpa qualquer... eles vão entender... eu nunca fui muito fã desses almoços mesmo... – joguei meu último apelo.

- Vou com ou sem você. – dizia Pedro, que estava irredutível, e animado como uma criança que vai pela primeira vez ao parque andar de bicicletas. – Estou começando a achar que você tá com vergonha de me apresentar para a sua família...

- Não é nada disso, Pedro, é que...

- Sua família não conheceu o Pierre também?!

- Mais ou menos... o Pi... o Pierre também não curtia muito isso sabe?

- Aí está a diferença entre eu e ele. E eu não sou o Pierre e como os opostos se atraem...entre no carro que estamos atrasados... – dizia Pedro segurando a porta e um
saco de carvão e colocando um ponto final naquela conversa.

Preferi finalizar também. Não queria ter que chegar em pé de guerra na casa da minha mãe e como ele já tinha colocado o Pierre (como sempre) no meio da conversa, preferi levantar a bandeira da paz.

***

Mal reconheci a casa da minha mãe quando cheguei porque ‘chovia gente pelo ladrão’. Um bando de carros estacionados na rua. A fumaça do churrasco correndo solta pelo céu. Uma creche brincando e gritando na garagem de casa. De onde surgiram todas essas gracinhas? Em que século eu parei que todo mundo procriou? Quase fui derrubada pelos meus sobrinhos lindos que pularam no meu colo em disparada ao me ver. Os pestinhas paralisaram ao ver o Pedro, como quem vê um extraterrestre. Devem ter pensado algo como ‘nossa, mas ele era diferente da última vez.’ E, como são muito novos para entender algumas coisas, preferiram sair correndo (por que as crianças correm tanto?) e continuar brincando numa espécie de MMA.

- Diana, até que enfim, né? O povo já tá verde de fome... – essa era a minha mãe querida, como sempre, me cobrando. – Oi, Pedro, tudo bem, meu filho? – dizia ela dando beijinhos e abraços nele.

- Oi, minha filha, tudo bem? E aí, Pedrão? – esse era meu pai. – Poxa, não precisava se incomodar com nada, mas já que trouxe... – dizia ele pegando o carvão.

- Ahá... agora eu já sei porque demorou tanto para você apresentar seu novo namorado, Diana. Mas ele é um pedaço de mau caminho. Com todo respeito, meu filho, prazer, Doralice. Tia Dora. – apresentava-se a desbocada da irmã do meu pai.

Pedro cumprimentou a tia piriguete educadamente e depois perdeu-se junto ao meu pai
naquele mundaréu de gente.

- Mãe, mas não era apenas uma reuniãozinha com os tios e as tias? Tem gente aqui que eu nem lembro a cara... – eu cochichava para minha mãe na cozinha.

- Ah, filha, sabe aqueles meus primos do interior? Então, fazia tanto que eles não
vinham para cá e acabei chamando também... É tão bom reunir a família né?

Eu até podia ter dado uma resposta atravessada para minha mãe, mas nada paga o preço de vê-la tão feliz. E a santa da minha irmã , Marisa, recriminou meus pensamentos com os olhos e me acalmou com seu sorriso. Para relaxar, então, peguei uma cerveja para entrar no clima e fui em busca do meu príncipe, que estava perdido na festa.

- Sempre rapidinha, né, dona Diana. Já trocou de namorado? Essa juventude hoje em dia
troca de namorado como troca de roupas... Tudo bem com você?

A minha vontade era mandar a chata da tia Sonia, que adora se meter onde não é chamada para um lugar impronunciável, mas o meu respeito pelos mais velhos me impediu disso. Apenas sorri e resolvi não perder tempo em responder a ela que a vida era minha e que talvez não seja à toa que ela é uma solteirona convicta mal amada e sem filhos.

- Já te pegaram para Cristo, Pê? – me surpreendi ao ver Pedro de avental, dominando a churrasqueira e liderando a conversa com a homarada no fundo do quintal. Bem diferente do Pierre. Com o Pedro não tinha tempo ruim. Confesso que fiquei paralisada com aquela cena por alguns segundos e ainda me apaixonei ainda mais por ele.

- Tava falando pro cunhadão aqui que ele é um santo por aturar você hein? – esse era o meu irmão, Paco, que já me irritava para não perder o costume.

- Ele tem que levantar as mãos aos céus por eu ter dado uma oportunidade para ele ... isso sim!!! – eu retrucava.

- Filha, vem aqui... quero te apresentar uma pessoa!!! – essa era minha mãe dando sinais de que a sessão tortura iria começar. Justo agora que eu tinha relaxado?

Comecei então uma via sacra pela minha casa sendo apresentada aos parentes do interior. Vesti um sorriso amarelo e cumprimentei a quinhentas mil pessoas que repetiam em coro: ‘Nossa, como você cresceu!”, ‘Mas que bonitona’, Nossa, te peguei no colo... troquei suas fraldas... to ficando velha... (ainda bem que ninguém disse que também tinha trocado meu absorvente), Parabéns pelo namorado, Vai casar quando?
Ainda não desistiu da idéia maluca de morar sozinha? Hipnotizada por todas aquelas declarações, só tive uma certeza: nenhuma daquelas pessoas fará parte da minha lista de convidados para o meu casamento (se eu casar um dia).

- Satisfeita agora, mãe? - era a minha paciência que dava sinais de que tinha chegado ao limite.

- Será que você não pode mudar essa cara, não, Diana? São seus parentes, poxa!!!

- Eu sei. Mas a senhora tá fazendo do meu namoro um carnaval... Eu mal comecei a namorar com o Pedro, mal sei se vai dar certo... não precisava disso. – eu ralhava com minha mãe, como de costume.

- Tá tudo bem por aqui? – era Pedro que nos flagrava discutindo no corredor da sala.

– Querem uma carninha? – ele perguntava tentando desbaratinar e quebrar o gelo. Será que ele ouviu algo? Só sei que ele virou as costas e saiu. Minha mãe me lançou um daqueles olhares diabólicos dela e saiu bufando.

Pronto. Agora eu era de vez a ovelha negra da família. De saco cheio, resolvi sentar na sala para respirar um pouco.

- Primota.. até que enfim te achei!!! – era a Sheila, minha prima favorita. A Sheila era a ovelhinha número 2 da família também. Ela tinha voltado recentemente de uma temporada em Londres e me entendia muito bem.

- Tá fazendo o quê refugiada aqui?

- Ah, nem me fala... não viu o que a sua tia me aprontou? Armou todo esse circo para apresentar o Pedro para família... ela sabe que eu odeio isso...

- Não tem jeito mesmo, né? Eu bem vi o seu bonitão lá na churrasqueira... Mas e o Pierre? Já era? Da última vez que nos falamos, eu ainda estava em Londres e você tava com ele né?

- Uma longa e complicada história, prima. Temos que marcar um cervejinha para eu te contar tudo. Mas me conta e você?

Felizmente, tive meus 15 minutos de paz, enquanto tricotava com a Sheila na sala e me atualizava sobre todas as mudanças na vida dela, mas fomos interrompidas pela minha irmã, Marisa.

- Di, tá todo mundo te procurando. A mamãe vai servir o almoço!!!

- Ah... tinha me esquecido... podem ir comendo sem mim...

- Diana, pega leve também né? – recriminava Marisa – Parece até que não conhece a
mamãe...

A Marisa estava certa. Eu bem conhecia a minha mãe e não deveria ter me espantado com tudo aquilo. Resolvi voltar para a festa. Todos já devoravam o almoço como cães famintos. Nem sei se iam sobrar migalhas para mim.

Olhando todo mundo comer senti falta do Pedro. Resolvi procurá-lo e o flagrei no maior papo com a Dani, a minha prima piriguete. A Dani, além de mais nova e de ser cinco vezes mais gostosa do que eu, tinha a fama de atacar o homem alheio. E não importava se esse homem era da família.

- Não vai comer, amor? – disse com voz doce me aproximando de Pedro para marcar território. – Oi, Dani, tudo bem?

- Ah, já vou. Fiquei beliscando aqui na churrasqueira. Você sumiu e a Dani ficou aqui me fazendo companhia.

- Obrigada, Dani. Eu estava falando com a Sheila, aquela minha prima de Londres... mas já estou aqui... E do que estavam falando? – perguntei curiosa.

- Bobagens. – disse Pedro (havia algo de ríspido e seco na sua voz. Será que ele tinha ficado chateado com o que ouviu na sala?)

- Imagina só, Diana... que infeliz coincidência... a gente tava aqui lembrando que foi com o Pedro que eu dei o meu primeiro beijo.
Para tudo que eu quero descer. Como é que é? Como assim o Pedro foi o cara que você beijou pela primeira vez?

- Ah é... eu não sabia... – eu disse fuzilando o Pedro.

- Coisa de criança, Diana. Deixa eu olhar a picanha que tá queimando. – saiu Pedro pela culatra.

- Bobeira, prima. Eu era uma criança. Lembra quando eu vinha dormir aqui na sua casa? – como eu não ia lembrar? Eu odiava quando você dormia aqui em casa porque destruía todas as minhas bonecas - Eu sempre gostei de brincar com os meninos da rua né – tinha me esquecido que desde pequena ela já tinha o dom – numa noite dessas , enquanto a gente brincava de esconde esconde, me escondi com o Pedro na rua de baixo e rolou um selinho.

- Aceitam picanha?

- Eu não quero nada, Pedro.

Inventei uma desculpa e sai batendo as tamancas. Tudo bem que tinham se passado 10 anos, mas agora o Pedro era o meu namorado!!!

- Diana, precisava daquela ceninha toda? – era Pedro que tinha vindo atrás de mim.

- Eu não fiz nada. Apenas sai.

- Como não? Deixou a sua prima com cara de tacho...

- E tá preocupado com ela por que? Tá afim de brincar de esconde esconde com ela? Vai
lá! – virei as costas e fui olhar o portão.

- Para de ser infantil. O que tá acontecendo com você? Desde que esse lance de almoço começou que você não facilita... daí me larga na festa e quando vejo está brigando com a sua mãe porque ela quis me apresentar a família. Algum problema quanto a isso?
Eu não sou bom o suficiente para ser apresentado a sua família? Ou será que é porque você não sabe se o nosso lance vai dar certo e já está pensando no fim e não quer ter que fazer outro almoço para explicar a nossa separação?

Nossa, o Pedro pegou pesado e eu me senti um rato.

- Não é nada disso, Pedro... – eu disse tentando abraçá-lo, mas ele estava irredutível.

- Que que tá pegando aí? – era Paco que nos flagrava soltando faíscas.

- Nada não. E aí vai rolar aquele sambinha? - desbaratinou Pedro.

Samba? Não bastava todo o carnaval?! Mas, para finalizar, o meu irmão que agora tinha virado pagodeiro chamou o grupo Chama Chuva dele para batucar no meu almoço de união-separação com o Pedro. E o meu atual-ex-namorado se enfiou na roda e preferiu dar boas palmadas no pandeiro para se acalmar. Acho até que ele imaginava a minha cara no couro do pandeiro. Resultado: ficamos sem nos falar a festa toda.

***

- Mãe, desculpe. – essa era eu levantando a bandeira da paz enquanto ela lavava as louças que tinha sobrado do almoço

- Eu bem conheço os meus passarinhos, Diana... Eu que tenho que me desculpar. É que eu fico tão feliz em ver vocês felizes que eu quero esbanjar sabe? Prometo me controlar.

Nos abraçamos e como sempre nos acertamos. Eu e minha mãe somos como Tom e Jerry. Vivemos trocando faíscas, mas não vivemos uma sem a outra. Falando em faíscas, ainda tinha uma que faltava ser apagada...

- Não vai subir? – perguntei ao Pedro quando ele parou na porta do meu prédio.

- Não. Vou dar uma passada na casa dos meus pais.

- Vem dormir aqui depois?

- Não sei. – respondeu seco.

Fiquei muda e em silêncio por uns instantes, mas eu tinha que deixar o meu orgulho de lado.

- Desculpa, Pedro. Sei que eu pego pesado, às vezes... mas tenta me entender.

- Te entender é o que eu venho fazendo desde que a gente tá junto, Diana. Juro que é o que eu mais faço. Te entender e te agradar. Mas e você ... será que você também me entende?

- Eu te adoro, Pedro.

- Não foi isso que eu perguntei, mas tudo bem. Olha, suba, tenha uma boa noite de sono e amanhã a gente conversa.

- Mas...

- To precisando de um colo de mãe agora. Durma com os anjos.

Ele me deu um selinho frio. E saiu cantando os pneus. E eu fiquei ali, parada, feito uma idiota e com raiva de mim mesma por ter estragado tudo. Por que eu não facilito as coisas, hein? Acho que vou ter que convocar uma outra reunião de família para gente se conciliar.

PAPO DE CALCINHA: Já teve que encarar alguma reunião de família para apresentar o(a) novo(a) namorado(a)?

sexta-feira, dezembro 09, 2011

aBAIXA FIDELIDADE



Por Letícia Vidica


- Ah, gente, duvido que aqui ninguém nunca traiu. Atire a primeira pedra quem nunca deu uma puladinha de cerca... não tem esse papo de fidelidade hoje em dia não!! – teorizava rindo e colocando o chope guela adentro, o gerente de marketing lá da agência, durante nosso happy hour de fim de ano.

- Alguém tem um tijolinho aí? Por que eu vou atirar em você, Mauricio... – eu dizia, abismada com tal declaração e mais abismada ainda com a naturalidade que meus colegas de trabalho a encararam.

- Não vem com essa, Diana. Pagando de santinha agora? – cutucava o motoboy – Vai dizer que nunca traiu o Pierre? Nem O Pedro?

- Não! E qual o problema?

É. Alguém pode me dizer qual é o problema de ser fiel hoje em dia? Não, porque tá tudo invertido. Trair virou um hábito tão comum e rotineiro como coçar o nariz ou ir ao banheiro. E qual o problema se eu eu ainda sou a favor da fidelidade?

- Amiga, ninguém é fiel hoje em dia não. Todo homem trai e até a mulherada trai também. – dizia a secretária lá da agência. Choquei porque ela tem cara de quem não é comida por alguém desde que o Brasil foi descoberto. Só que agora a mal comida era quem pregava o sermão em mim.

Nem preciso dizer que esse papo de trair e ser fiel foi o tema do nosso happy hour que entrou madrugada adentro. Deixamos até de lado as fofocas sobre os bastidores da agência, nem nos incomodamos de não falar nadica de mal do chefe ou de rir com as imitações do Dennis sobre o nosso chefe. E entre um chope aqui, um frango a passarinho acolá...quanto mais eu tentava defender a fidelidade, mais eu me sentia uma marciana.

***

- Agora que estamos só nós dois, Diana, pode confessar. Nunca foi ciscar em outro terreno? – perguntava Mauricio, que tinha me oferecido uma carona para casa porque o meu carro estava no rodízio.

- Já falei, Mauricio. Eu sou fiel. Doa a quem doer, eu defendo a fidelidade. Acho assim, se não tá legal, termina. Pronto.

- Mas, Diana, não é uma questão de estar legal ou não...veja o meu caso...sou muito bem casado há 10 anos, amo minha mulher, nem passa pela minha cabeça deixá-la, mas ... eu tenho desejos, curiosidades e acho extremamente normal transar com outra mulher... é da nossa natureza, Diana. – dizia ele enquanto esperávamos o semáforo abrir.

- Só se for da sua natureza né? Da minha não é. Mas e a sua mulher? Se ela pensar da mesma forma? – cutuquei o sabichão.

- Acho que não me importaria, mas sei que ela não pensa...

- Pimenta nos olhos dos outros é refresco, né, negão? Quem garante? Não é da natureza humana? Então...

- Confio no meu taco. – disse ele dando uma piscadinha para mim.

Seguimos o caminho em silêncio. Acho que o Mauricio ficou imaginando sua mulher com outro Ricardão na cama só para satisfazer os desejos da natureza humana e eu... olhava para os faróis dos carros com o pensamento distante ainda tentando digerir esse papo todo de ser fiel ou não. Distraída, assustei-me quando vi um carro parar ao nosso lado e ver um casal que se beijava ardentemente.

- A noite desses aí vai ser boa né... – comentava Mauricio.

- ‘Peraí, eu conheço essa mulher... não pode ser, Betina? – fiquei sem palavras quando vi que Betina era a danada da mulher que ia ter uma noite boa. Boníssima, por sinal, porque o carro arrancou e entrou rapidamente no motel que ficava na esquina.

Como assim a Betina tá saindo com alguém? Como assim não me contou nada? Vou tirar essa história bem a limpo, viu? Fiquei tão fula com a traição da Betina que nem percebi que tinha parado na frente do meu prédio.

- Bem, está entregue, senhorita. – dizia Mauricio, colocando as mãos nas minhas pernas.

- Obrigada. Desculpe o incomodo e as encucações... – eu dizia me ajeitando para tentar me livrar da mão dele.

- Que isso... Foi um prazer tentar você. – ele ria.

Fiquei paralisada com aquele sorriso. Sabe tipo cena de filme que fica tudo em slow motion, você não presta atenção em uma vírgula do que está sendo dito? Eu só via aquele sorriso. Por um instante, imaginei aquele boca beijando a minha. Diana, hello!!! Não é você que é a defensora da fidelidade? Isso, eu sou. Você não pode desejar o Mauricio!!! E o Pedro? Fui acordada pela minha consciência, me despedi rapidamente do Mauricio e entrei no prédio.

***

- Diana?

- Marisa? Tá fazendo o quê aqui essa hora?

Quase infartei quando ouvi a voz da minha irmã chamar enquanto eu ainda delirava com uma cena de sexo selvagem na porta do meu prédio com o Mauricio... Pensar também é trair? Bem, voltando.

Eram duas da madrugada e eu tinha agora a Marisa, minha irmã mais velha, chorando no sofá da minha sala. Ela estava desesperada de um jeito que eu nunca tinha visto antes. A Marisa sempre foi aquela fortaleza sabe? Meio mulher maravilha e agora estava ali desmoronando.

- O Arnaldo tá me traindo. Ele tem uma amante. – dizia ela ainda aos soluços.

Não sei por quê, mas não fiquei chocada com a declaração. Até que enfim, a Marisa acordou e percebeu isso né? Mas, agora, não era hora para julgamentos. Eu tinha que ajudar a minha irmã, mas fazer o quê? Afinal, sempre foi ela que me contou as histórias de fadas quando eu não conseguia dormir e achava que extraterrestres iam me levar. Eu não sei contar histórias de fadas.

- Marisa, acalme-se. Vai ficar tudo bem. E as crianças?

- Estão dormindo. Eu sai e vim direto para cá.

- E o Arnaldo?

- A gente discutiu muito. Ele tentou negar e tals, mas eu vi a marca de batom nas
camisas... eu vi...

- Você tem certeza disso? Ele tem mesmo uma amante?

- Eu vi com os meus olhos, Diana. Eu segui os dois. – despencava em lágrimas. – O que eu faço?

O que eu, a confusão em pessoa e a defensora da fidelidade que, até algumas linhas atrás, estava desejando transar enlouquecidamente com o Mauricio, o traidor, iria dizer para a fortaleza da minha irmã com um casamento, até alguns minutos, sólido, com filhos para criar...o que eu diria para ela fazer? Arrisquei no senso comum. Ofereci para ela uma cama quentinha, um chocolate quente, um banho quente, meu colo para ela deitar... e uma bela e boa noite de sono para curar as feridas. Se ia curar eu não sei, mas era o que eu tinha para dar. Enquanto ela dormia, ainda lutava com minha consciência para apagar a cena de filme pornô entre eu e Mauricio que reprisava na minha cabeça.

***

Era sábado e acordei cedo para preparar um café saboroso para a Marisa. EU queria agradá-la. Assustei quando a campainha tocou. Eram Lili e Betina. Depois da noite turbulenta, eu tinha me esquecido completamente que a gente tinha combinado de almoçar juntas.

- Meninas, não vai dar.

- Lá vem você com suas desculpinhas, hein, Dona Diana? – cobrava-me Betina.

- Não é isso...não é desculpa. Minha irmã tá aí. – sussurrei para não acordá-la.

- A Marisa? – berrou indiscretamente Lili.

Contei para as meninas sobre a traição do Arnaldo, o meu cunhado. Lili, a defensora do amor, claro que achou que minha irmã tinha que correr atrás do homem dela. Deixar o orgulho de lado. Já Betina para a minha surpresa, ao invés de dizer que todos os homens são canalhas, foi achando aquilo muito natural. E, numa espécie de Mauricio de saias, foi dizendo que ‘ a traição faz parte da natureza humana’.

- Será que faz parte porque a senhora anda aos amassos por aí às noites de sexta-feira e entrando em motéis de beira de estrada? – cutuquei.

- Do que você tá falando? – Betina tentou se fazer de desentendida.

- Te peguei no flagra, sabichona. Vi tudo. Vi você entrando ontem naquele motel...

- Quem era o bofe? –perguntou Lili.

- Eu não ia contar... mas tudo bem...eu to saindo com o Doutor..... com o Alberto. Um
advogado que trabalha no mesmo prédio que eu.

Lili e eu vibramos ao saber que Betina tava desencalhando, mas murchamos quando ela contou o histórico do Alberto: muito bem casado, pai de três filhos e com uma mulher linda.

- Você? Amante? Esse papel não combina muito contigo, amiga. – eu disse.

- Qual o problema? Eu só quero alguém para transar. Ele quer alguém diferente para se divertir. É isso que eu posso oferecer e é isso que ele pode me dar. Estamos quites. Sem cobranças. – dizia ela naturalmente.

- Mas ele é casado!!! Como assim, não tem problema? – perguntei abismada.

- Eu sei que ele é casado!!! Não precisa repetir. Eu sei e não quero que ele se separe. E nem ele pensa em se separar. É só um caso e pronto.

Isso mesmo, assim como você, ficamos sem palavras e, como sempre, chocadas com a declaração da Betina.

***

- Sabe de uma coisa, Marisa... – eu dizia a ela enquanto dividíamos um balde de pipocas assistindo a novela das seis no sofá do meu apê – Até que essa traiçãozinha do Arnaldo tem um lado bom? Faz tanto tempo que a gente não fica assim juntinhas né?
– abracei minha irmã querida como quem abraça um urso de pelúcia – daqueles que a gente dorme agarradinho na infância para se proteger.

- Você é doida mesmo, Diana. – ria Marisa com a boca cheia de pipocas.

Finalmente, minha irmã sorria depois daquela noite pesada. Aquele era meu conto de fadas para ela. Pelo menos, era assim que eu sabia contar. Continuamos a comer a pipoca e a assistir a novela. Na melhor parte, fomos interrompidas pelo interfone. Era o Arnaldo. Justo agora ele tinha que chegar?

...

Preferi deixar os dois a sós na sala para conversarem mas, claro, fiquei à espreita ouvindo tudo.

Primeiro, a Marisa soltou os cachorros nele. Adorei. Cobrou todos os anos de dedicação ao marido, aos filhos, o amor que ela tinha dedicado para ele... Depois, ele veio com a réplica dizendo que nunca quis deixá-la, que amava Marisa, que foi um fraco... Golpe baixo!. Acho que nessa hora, ela se deixou abraçar. Não, Marisa, seja forte. Não perdoe ele hein? Arnaldo depois veio com um papo estranho de que a culpa era da Marisa, que ela só dava atenção aos filhos, já não era mais a mulher alegre que ele conheceu, só queria ficar em casa, não era mais vaidosa e que nem lembrava a última vez que eles tinham transado... Como assim? Irmã, tenho que concordar com o cunhado... você pediu né? No final, Marisa assumiu que tinha errado, mas também cobrou Arnaldo. Os dois se beijaram, se perdoaram e voltaram para a casa juntos. E eu?

Apesar de ser defensora da fidelidade, eu compreendi. Compreendi tudo mundo. Afinal, quem somos, nós, para julgar? Quem sou eu para julgar o Mauricio que ama a mulher, mas a trai? Quem sou eu para julgar Betina por se contentar com o sexo que um homem casado pode oferecer a ela e nada mais? Quem sou eu para julgar Arnaldo por trair Marisa? Quem sou eu para julgar Marisa por perdoar Arnaldo? Quem sou eu para me julgar por desejar Mauricio?

É, minhas amigas, esse negócio de trair, ser fiel...é complexo demais, mas uma coisa é certa: faz parte da natureza humana rs...rs...rs

PAPO DE CALCINHA: E, VOCÊ, TAMBÉM ACHA QUE A TRAIÇÃO FAZ PARTE DA NATUREZA HUMANA? JÁ TRAIU ALGUÉM? AINDA ACREDITA NA FIDELIDADE?