terça-feira, junho 05, 2012

UM DIA DE FÚRIA




Por Letícia Vidica


Acordei assustada com a mistura do som estridente do meu despertador que berrava dizendo que eu estava atrasada e com a balada do toque do meu celular – era minha secretária me relembrando da reunião que eu teria com o meu cliente mais adorado (assim mesmo, com ironia) e me dando a péssima notícia de que a mulher do meu chefe tinha resolvido ficar doente justo naquela manhã. Resumo da ópera: eu ia aturar o nosso tão adorado cliente na apresentação daquele projeto.

Pulei da cama e, ainda sonolenta, travei uma guerra para encontrar o meu terninho da sorte. Onde será que a Cida colocou esse bendito terno? Eu não lembro de ter mandado para lavar. Ai, meu Deus! Não encontrei o meu tal amuleto e vesti qualquer roupa (o que não era bom sinal). Saí comendo uma bolacha de maisena murcha, bebendo um Yakult no elevador e tentando arrumar o meu cabelo no espelho do prédio, deixando (claro) a maquiagem entre um farol e outro.

***

Logo na porta, dei de cara com o congestionamento do bairro inteiro. Xinguei o folgado do filho do meu vizinho que insiste em parar o carro de qualquer jeito impedindo a minha saída, xinguei o carro da frente que andava feito lesma – Ô vida boa hein!!
Tem gente querendo ir trabalhar... –
e assim foi o caminho inteiro, xingando, buzinando e me maquiando. Sem contar nas milhares de ligações da minha secretária, Rita, me alertando sobre o meu atraso (caramba, eu sei que estou atrasada. Por que não me deram um helicóptero ao invés de um nextel?).

Senti de cara que aquele seria mais um dia daqueles. Quem disse que mulher é 100% emoção, errou feio. Somos 100% hormônios e não somente quando menstruamos. Pior. Somos dominadas pelos hormônios do mal que, do nada, resolvem atacar e nos trazem mais um dia de fúria. Um dia daqueles que você sente que pode matar uma pessoa, trucidar e outras maldades mais. Sem contar com a paciência zero...

... por falar nisso, foi assim que eu fiquei quando cheguei na garagem do prédio da agência e não encontrei uma bendita vaga.

- Senhora, você não pode deixar o carro aí – dizia o manobrista que lia o horóscopo no jornal e me recriminava (sem olhar na minha cara e sem se mover) porque eu tinha estacionado o carro no corredor central.

- O quê? Eu não posso parar aqui? Mas eu também não posso esperar. – eu dizia descendo toda descabelada. – Vai demorar muito para pegar a minha chave?

- Senhora, você não pode parar ai. Tem vaga no terceiro subsolo.

Senti o sangue ferver nos olhos, mas só não joguei o carro em cima dele porque ia demorar ainda mais e eu já estava atrasada. Transformei a garagem na pista de Interlagos e cheguei ao terceiro subsolo em cinco segundos. Enquanto eu xingava todas as gerações da família daquele manobrista, raspei meu carro na maldita pilastra da garagem. Não, não pode ser. O que mais me falta acontecer hoje?? Que merda que eu fiz. Incrível que quando você faz uma merda dessas, um batalhão de manobristas aparecem – não sei se é para te ajudar ou para ter mais uma fofoca para comentar na hora da janta.

***

- Dona Diana, a senhora está atrasada e o homem está uma fera. – era a desesperada da Rita me avisando pela qüinquagésima vez que eu estava atrasada.

- Eu sei, Rita. Não precisa repetir. E o Fred? Já chegou?

- Nada dele. Parece que vai demorar.

Como não ia ter jeito, respirei fundo e fui enfrentar os leões. Encontrei o chatonildo do Marcelo, o meu amado cliente (um sessentão que adora vestir as roupas do neto), andando todo posudo de um lado a outro. Sem contar nos olhares assustados e fuzilantes de toda minha equipe.

- Desculpem a demora. – disse

- Cadê o Fred? – perguntou ele.

- Bom dia para você também, Seu Marcelo. – retruquei – O Fred teve um incidente familiar e não deve chegar a tempo. Se o senhor não se incomodar, posso representá-lo. Afinal, sou a responsável por sua conta. Muito prazer! – eu disse esticando a mão a ele com todo cinismo do mundo.

Respirei fundo e comecei a apresentação. Falei feito uma gralha por meia hora e, ao final, apenas ouvi:

- Não gostei. – disse o velho metido a jovem.

- O quê? – acho que eu não tinha entendido direito – Existe alguma coisa que o senhor queira que a gente altere no projeto?

- Não sei. Só sei que do jeito que está não vai dar. Eu não gostei.

Como assim eu ralo meses para fazer um projeto decente para esse produto porcaria que eu nem sei se alguém vai querer comprar; enfrento um puta trânsito, bato o meu carro na garagem para ouvir simplesmente que ele não gostou porque não gostou?! Tá de brincadeira comigo né?

- Senhor Marcelo, o produto será lançado daqui a três dias. O senhor tem que me dizer o que não te agradou para que nós possamos alterar.

- Pois bem, menina. É exatamente por isso que contratamos vocês. – respondia ele ironicamente.

- Se deixarmos as coisas mais clean... seria uma boa para o senhor? – se intrometia uma das minhas funcionárias, a Susi.

- Isso, lindinha. Clean. Essa é a palavra. – respondia o barrigudo com jeito de quem mais queria comer a Susi do que tinha gostado da idéia dela.

Antes que eu respondesse e mandasse ele para as cucuias, o Fred chegou esbaforido. Percebendo o meu nervoso, ele colocou panos quentes no Marcelo, conseguiu tirá-lo da agência convidando-o para um almoço e prometendo que íamos entregar um trabalho mais clean. E eu? Claro que fiquei puta porque senti que aquele velho babão estava era mais travando uma guerra contra mim. E mais puta ainda eu fiquei quando fui surpreendida na minha sala pela ‘ingênua’ Susi.

- Pode falar, Diana?

- Entra, Susi. – respondi calmamente para não voar no pescoço dela.

- Queria te pedir desculpas por me intrometer daquele jeito na reunião. Quis te ajudar.

- Obrigada pela preocupação, Susi. Mas se você queria realmente me ajudar, deveria ter dado aquela idéia clean durante a elaboração do projeto. Você sabe muito bem que eu sou super aberta a novas idéias. Nunca proibi ninguém de me procurar e de
opinar. Mas eu sinceramente não entendi porque você ficou quieta o projeto inteiro, atrasou os prazos e agora quer salvar a pátria com a sua idéia clean?!

A garota me olhava com os olhos arregalados e ficou muda por alguns segundos pensando no que responder. Adorei deixar os meus hormônios falarem por mim. E, antes que os dela resolvessem falar também, o Fred entrou na sala.

- Podemos conversar, Diana? – dizia ele.

- Claro. Já terminamos de conversar, não é, Susi? – eu expulsava ela – E, ah, não esqueça que temos apenas três dias para uma idéia clean. – alfinetei.
Susi saiu com o rabinho entre as pernas e Fred sentou-se frente a mim. Cruzou os dedos, me olhou no fundo dos olhos e veio com aquela voz professoral.

- O que está acontecendo com você, Diana?

- Comigo?! Nada. Eu estou ótima. – era visível que eu estava péssima.

- Pode se abrir comigo. Sou seu chefe, mas também seu amigo. Sei que o Marcelo não é um cliente fácil. Ele é um pouco exigente, eu sei. Tenha paciência com ele.

- O problema não é ser exigente, Fred, mas sim desmerecer e desdenhar do meu trabalho sem motivo. Se ele estiver incomodado em ser atendido por uma mulher mais nova e que em nada parece uma mulher fruta, como a Susi, pode tirar a conta dele de mim. Será um prazer. – mais um hormônio respondia por mim.

- Nem me passa pela cabeça tirar isso de você. Você sabe que é a melhor publicitária que temos aqui. Acho apenas que você tem que ter jogo de cintura com ele e também com a sua equipe.

- Como assim, com a minha equipe? Alguém está descontente e eu não estou sabendo? – perguntei já desconfiando o nome do passarinho verde.

Antes que o Fred respondesse, meu celular tocou. Olhei no visor e vi que era minha mãe. Atendi porque ela estava insistente na chamada.

- Mãe, eu não posso falar agora... tá, mãe. Depois eu resolvo isso... eu estou em reunião. – com muito custo desliguei o telefone. Meu irmão tinha aprontado alguma, mas não dei tempo para ela me contar os detalhes. Eu já tinha coisa demais com o que me preocupar. – Continue, Fred.

- Não. Ninguém me disse nada...

- Pode ser sincero... eu quero saber... só assim poderei ser mais flexível com a minha equipe.

Fred confessou que a bocuda da Susi andava reclamando por ai que eu estava pegando no pé deles, que eu não aceitava as idéias deles e outras baboseiras mais. Senti o sangue borbulhar na veia. Porém, respirei, agradeci o toque do meu chefe, mas decidi resolver do meu jeito.

***

- Vai comer essa porcaria, Diana? – era Rita que chegava com o hambúrguer que eu tinha pedido de almoço na lanchonete da esquina.

- Estou sem cabeça e sem tempo para comer algo decente. O chatonildo me deu três dias para mudar o projeto, acredita? E ainda tenho que ter uma idéia clean. Tudo culpa daquela Susi melancia.

- Hmmm... a senhora bem sabe o que eu acho dela. Cuidado, viu? Ah, sua mãe ligou e disse para você ligar para ela urgente.

Eu já tinha esquecido completamente da ligação da minha mãe. Engoli o hambúrguer e tomei coragem para telefonar. Eu sabia que a parte dois do meu dia ia ser tão ruim quando a primeira.

- Oi, mãe!

- Se eu tivesse que morrer já tinha morrido né, Diana? – cobrava pelo atraso da ligação.

- Pois vejo que não morreu. Está vivinha da silva. Diga.

- O seu irmão...

- O que ele aprontou dessa vez?

- Foi mandado embora ontem, chegou de madrugada cheio de pinga na cabeça e a Dona Lourdes veio me dizer que ele está andando com
uns caras vagabundos da rua debaixo.

- E o que eu posso fazer?

- Como? Você tem que falar com ele.

- Eu?! Tá de brincadeira, mãe! Eu estou cheia de problemas de verdade para resolver no trabalho e a senhora vem pedir para eu dar bronca naquele vagabundo? – disse brava.

- Não fale assim do seu irmão.

- Vagabundo sim. Por essa sua atitude é que ele está do jeito que está. Desculpe, mãe, mas dessa vez eu não vou me meter.

- Diana, Diana...

- Beijo mãe!

Desliguei o telefone fula da vida. Se o meu irmão tivesse tido metade da responsabilidade que eu tenho, aposto que ele não estaria assim. Mas meus pais quiseram mimá-lo. Deu no que deu.

***

- Pegou pesado, hein, chefinha. Reunião a essa hora? – reclamava o Beto, um dos caras da minha equipe.

- É, Beto. Sinal de que a coisa está feia. Cadê a Susi? – reparei que ela não estava lá.

- Ela disse que tinha um compromisso. – respondeu a outra.

- E sai assim sem me avisar?! Ela sabia da reunião. Ritaaaa.... – berrei e todos me olharam assustados.

Fiz a Rita ligar para a bonitona e ela teve que dar meia volta na garagem e me engolir naquela reunião. Falei sobre o nosso prazo apertado e sobre a mudança da idéia.

- Clean? Quem foi o gênio que resolveu isso? – perguntava o Beto. – A gente vai levar, no mínimo, uma semana para fazer isso.

- Não seja pessimista, Beto. Vamos ser otimistas, assim como a Susi...afinal a idéia é dela. Três dias são suficientes para isso, não é mesmo?

- É, bem... eu não sabia... – gaguejava a geniazinha, tomando conhecimento da merda que ela tinha feito.

- Olha, a gente não tem tempo a perder. Então, conto com a colaboração de vocês. A partir de hoje, teremos que esticar o horário para cumprir o prazo. E eu gostaria de nomear a Susi como supervisora desse projeto. A idéia dela foi de grande utilidade para nós e tenho certeza que ela sabe como fazer. Tenham uma boa noite!

Susi me olhava espantada e todos fuzilavam ela. Não bancou a espertona querendo desbancar a todos? Agora te vira, negona!
Fui para minha sala e, ao sentar na minha mesa, percebi que não estava bem. Comecei a sentir uma tontura, dor de cabeça , mal estar. Resultado: saí de ambulância do escritório para o hospital. Tive uma crise de stress, ou melhor, de hormônios.

***

- Se queria se matar, Diana, era só me avisar que eu te jogava da ponte Estaiada. – essa era Betina que aparecera no hospital para me acompanhar.

- Bê, eu não estou em momento de broncas, tá legal?

- Mas precisa ouvir umas verdades, sim. Você não vai salvar o mundo e o seu salário não paga a sua vida. Por isso, para e
respira ok?

Betina estava certa. Olha onde eu tinha ido parar por causa do Marcelo, da Susi, do projeto clean, do meu irmão e, principalmente, da minha teimosia em querer salvar o mundo e deixar os hormônios me dominarem? Terminei a noite no soro e com uma injeção sossega leão na bunda. Pois é, bem feito... para mim! Mas confesso que, ufa!!, foi um dia aliviador. Só peço, hormônios queridos do meu coração, que mandem um SMS da próxima vez para anunciar a chegada.

PAPO DE CALCINHA: VOCÊ JÁ TEVE UM DIA DE FÚRIA? DEIXOU OS HORMÔNIOS FALAREM POR VOCÊ?

3 comentários:

Anônimo disse...

Putz, tudo a ver comigo...

Anônimo disse...

Rsss , é, as vezes isso acontece mesmo. O engraçado é que sempre tem uma burra metida a gostosona e esperta pra terminar de lascar né?!!!!

Isa disse...

Tem dias que sinto vontade d gritar. E qndo tdo q eu quero é ficar sozinha, em silêncio vem pessoas me fazendo perguntas, cobrando coisas q fiz ou ñ fiz, resultado: acabo respondendo mal e depois me arrependo e sinto até vontade de chorar. Paciência, somos humanos, nem tdo é flores!