domingo, fevereiro 12, 2012

TEMPO



Por Letícia Vidica


- Eu estraguei tudo!

Essa era eu deixando meu corpo cair feito pena no divã da Jane. A santa Jane, minha terapeuta. Apesar dela ter me dado ‘alta’ há alguns meses, mesmo sob forte recriminação da minha consciência insistindo para ficar eternamente na UTI do divã, eu acabei voltando ao consultório. Ela era a minha última saída. A luz no fim do túnel. A minha salvação.

Eu tinha acabado de contar o pesadelo que vivi na noite das bodas de prata dos meus pais. Falei sobre a aparição repentina e planejada do Pierre naquela noite, do absurdo das pessoas me recriminarem achando um absurdo eu me incomodar com a presença dele, da pressão do Pedro questionando se eu o amava ou não e fazendo planos comigo , da pressão que fiz sobre mim mesma me questionando se eu amava o Pedro e se eu queria fazer planos com ele e da dor que senti quando o Pedro me propôs um tempo.

- Tempo? Eu não quero tempo!!! Poxa, eu não escolhi ficar com ele?! Pronto. Para quê complicar? - eu me questionava almejando uma resposta da Jane. Algo como um remédio para curar algum mal. Mas esqueci de que a Jane não dá respostas. Ela faz perguntas que me fazem buscar respostas fazendo mais perguntas para ela. Um círculo irritantemente vicioso.

- Tem certeza de que não precisa de um tempo? Você realmente escolheu ficar com ele ou se viu sem saída? - perguntava Jane com sua voz de professora primária, recompondo os óculos e com uma calma invejável que me despertava uma raiva e admiração tudo ao mesmo tempo.

As perguntas da Jane me lembravam a da minha mãe que saiu da festa de bodas desesperada depois de ter enfrentado uma busca desenfreada pela cidade atrás da minha pessoa, a qual tinha saído feito louca da festa com a Betina e quis ficar rodando sem rumo por mais de três horas. Marisa, minha irmã, já sem paciência comigo e depois de me chamar de mimada - egocêntrica- confusa (coisa que me admirou muito tendo em vista a mosca morta que ela é), também me fez o mesmo questionamento e Betina no seu silêncio mortal, que conheço bem quando está com raiva de mim por alguma besteira que eu tenha feito, também me perguntou isso com seu olhar.

***

- Diana?! Tá tudo bem?!

Foi isso que o Pedro me perguntou com cara de espanto depois de me deixar plantada por quase duas horas na sala da casa da mãe dele, ouvindo as lamentações da minha ex-futura-sogra de que ia ficar tudo bem e que era questão de tempo. Tempo? Essa palavra deu para me perseguir agora?!

Deixei o meu orgulho ferido de lado e fui atrás do Pedro sem pensar. Ao vê-lo, abracei-o também sem pensar como uma criança que abraça um ursinho de pelúcia.

- Não me deixa sozinha! - eu disse, mais uma vez, sem pensar parecendo uma criança que tem medo do escuro e percebe que a mãe já acabou de ler a historinha e está saindo de fininho do quarto.

Acho que o Pedro percebeu o meu desespero e não sei se por dó,piedade, amor, amizade...sei lá pediu que eu me acalmasse e fomos conversar na garagem. Nem me toquei de que a mãe dele assistia àquela cena sentada no sofá parecendo ver uma cena romântica da novela das nove.

- Por que você fez isso comigo? Por que me deixar? Você jurou que não ia me abandonar...eu não preciso de um tempo, Pedro. - desembestei a falar e a perguntar e perguntar assim como a Jane faz comigo.

- Diana, mais cedo ou mais tarde, isso ia acontecer. Não dá mais para gente se enganar. Não dá mais para você se enganar.

- Você não gosta mais de mim? - perguntei ignorando totalmente a pergunta acima. - Cadê aquele amor que você disse que sentia por mim? É assim? Você se sente ameaçado pelo Pierre e prefere cair fora? Por que os homens enfrentam seus problemas desse jeito?

- Diana, não confunda as coisas. Eu continuo gostando de você do mesmo jeito. Se eu pensasse só em mim, continuaria com você numa boa. Apenas pelo fato e pelo orgulho de ter você comigo. Eu também estou correndo um risco. Se você descobrir que realmente gosta do Pierre, eu sei que vou perder você para sempre. Mas eu preciso correr esse risco em seu respeito...

***

- ... eu fiquei sem resposta, Jane. O Pedro sempre me deixa sem resposta. Acho que foi a declaração de amor mais linda que já ouvi. Isso foi uma declaração de amor?

- Realmente, Diana, é uma atitude nobre e rara hoje em dia. Mas o que você sente pelo Pedro? Fala para mim... - perguntava Jane tomando nota de cada sílaba que eu soletrava.

- Ai, Jane. O que eu sinto pelo Pedro é algo muito calmo, tranquilo, ele me dá uma segurança que nunca senti com ninguém...quando ele está comigo eu não tenho medo de nada porque eu sei que ele vai me proteger, sabe? Eu gosto de conversar com ele, ele me escuta, me entende...tem sempre uma pergunta que me faz pensar...eu odeio quando ele pergunta mas adoro quando encontro a resposta... Eu não tenho aquele calafrio, aquele turbilhão de emoções por ele como eu tinha pelo Pierre... mas eu tenho muito carinho e um sentimento diferente que eu não sei explicar... - nossa, é tudo isso mesmo? Se eu estou dizendo, é né?

- O Pierre mexe com meus instintos mais primitivos...é como se ele despertasse em mim um vulcão. Parece amor e ódio juntos sabe?! Confesso que eu ainda sinto isso quando vejo ele...mas acho que é coisa de pele né? O Pierre me leva do 8 ao 80 num segundo...ultimamente tenho ficado mais no 80 sabe? Foi isso que eu senti na festa... acho que fiquei com raiva de mim mesma quando percebi que eu não consegui disfarçar tudo isso.

***

Apesar de ter toda essa consciência sobre os meus sentimentos pierrianos, eu não tive coragem de revelar isso para o Pedro quando ele perguntou...

- Confessa, Diana, você ainda gosta do Pierre né?

Fiquei muda por alguns segundos, mas lembrei que quem cala consente. Voltei a tagarelar.

- Para com essa bobagem, Pedro. O Pierre é passado...

- É um passado presente, Diana. E eu não posso suportar conviver com esse passado mal resolvido de vocês. Não me entenda mal. Eu não estou brigando...eu sabia que eu corria esse risco quando me envolvi com você...mas também achei que ia se resolver logo e vejo que não é assim...

- Então vai me entregar de bandeja para ele? É isso mesmo? - comecei a me irritar com o lado Freudiano do Pedro. Poxa! Eu vim até aqui, enfrentei o meu orgulho, estou me humilhando para o cara fazer doce?!

- Diana, eu já te disse. Eu não estou te entregando de bandeja...estou te ajudando.

- Bela ajuda, viu?! Não vê que, mesmo se eu quisesse, a minha história com o Pierre já está para lá de complicada? O cara vai ter um filho com a piriguete que ele me traiu e você ainda acha que eu ainda tenho algo para resolver com ele? - eu disse enfurecida.

O silêncio mortal do Pedro e o olhar irônico dele me respondiam que a raiva que eu esbanjei nessa declaração já era um sinal de que eu realmente tinha muito a resolver com o Pierre. Tudo bem, eu me rendo, mas tem que ser sozinha mesmo?

- E se eu admitir que talvez eu realmente tenha algumas lacunas em aberto com o Pierre, mas juro que numa conversa se resolve...você fica comigo?

Eu mal pude me reconhecer. O meu coração batia descompassado, eu parecia uma louca descabelada e meu olhar seguia o Pedro que andava de um lado a outro da garagem.

- Eu sempre ficarei com você, mas agora não dá. Eu estou indo viajar.

Opa! Por que eu não desconfiei que a vida não ia deixar de me pregar uma peça?

- Eu estou indo para Inglaterra. Seis meses. Vou fazer um curso. Me avisaram ontem que eu passei.

- Como assim?! Seis meses?! Logo agora? Por que não me contou nada ou você já estava planejando tudo isso?

- Diana, não pira. Eu não esperava por isso. E, naquela época que eu fiquei desempregado,eu atirei para todos os lados né. Além do mais, esse curso vai me ajudar muito na minha nova sociedade e esse tempo vai fazer muito bem para gente.

Tempo...aí está a palavrinha mágica de novo.

***


- Eu não podia ser tão egoísta com ele, Jane. Ele estava sendo tão compreensível com a minha vida, mas seis meses? Será que eu vou agüentar? É tempo demais... - eu lamentava.

- Nada é por acaso, querida. Aproveita esse tempo para cuidar de você, pensar em você, conhecer você... a gente nunca vai amar ninguém sem conhecermos a nós mesmas, sem amarmos a nós mesmas...

- Ele partiu ontem. Nem quis que eu fosse no aeroporto. - eu dizia deixando algumas lágrimas caírem dos meus olhos. - A Betina disse que foi melhor assim...mas eu estou me sentindo meio perdida sabe? Mais até do que quando terminei com o Pierre...

- É que agora não tem muleta, Diana. Agora é você com você mesma. E ficar com a gente mesmo pode ser assustador em alguns casos, mas a descoberta vale muito a pena. Escute-se, Diana. Sinta-se. Não tenha medo de mergulhar para dentro de você. Vai te fazer muito bem. Te vejo semana que vem, tudo bem?

Como uma sineta que soa dizendo que a hora do recreio acabou, eu retornei para casa com as frases da Jane ecoando na minha mente. Não tenha medo de mergulhar para dentro de você.
Estou agora me preparando, treinando para esse mergulho... o problema é que ainda não descobri se vou encontrar um tubarão , uma sereia ou um baú de tesouros dentro de mim, mas a vida é mesmo uma caixinha de surpresas né? Então, vamos embora.

PAPO DE CALCINHA - Você acha que o tempo funciona?

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei o texto. Creio que sim, o tempo cura tudo, o ruim é enxergar e aceitar isso!

jeane disse...

o tempo e o melhor remédio para cuidar feridas sentimentais... no começo dói um pouco mais depois qdo começa a cicatrizar e que vc enxerga os pontos que precisam ser corrigidos