sábado, março 12, 2011

DOCE SOLIDÃO


POR LETÍCIA VIDICA

Apenas a mim, bastava. Ao abrir os meus olhos naquele sábado ensolarado, percebi que um silêncio e uma paz pairava no ar. Respirei fundo, me espreguicei e percebi que aquele era o meu momento. Eu estava sozinha no meu apartamento. Eu e eu mesma (e nem sentia falta da Irene, uma piadinha para descontrair). E, apesar da solidão, eu estava amando tudo aquilo.

Fazia quase um ano que eu estava solteira e, acho que pela primeira vez na vida, eu não me incomodava com isso. Pelo contrário, estava adorando não ter ninguém.
Levantei, fui até a minha geladeira afim de tomar um café colonial – o que não foi possível porque ela estava vazia (me esqueci completamente de ir ao supermercado ontem), mas não tem problema preferi trocar as gôndolas do supermercado pelo box do Sex and the City na minha tela plana, coisa que eu não fazia há anos. Tudo porque o meu ex namorado achava a maior besteira...dizia que era coisa para mulher encalhada. Será que agora eu realmente estava encalhada? Prefiro acreditar que ele não tem intelecto suficiente para entender isso. Já que eu não tinha o café que eu desejava, me contentei com um resto de Danone e umas bolachas mofadas.

Eu estava curtindo tanto aquela paz interna e o silêncio externo da mais deliciosa solidão que estava vivendo que resolvi limpar as prateleiras do meu escritório. A poeira amontoada pelos livros me revelava que há um bom tempo eu não sabia o que era ler. Outro hobby abandonado durante o período de namoro. Por que eu tinha abandonado os livros? Preciso fazer as pazes com J.K Rowling, Stephanie Meyer, Paulo Coelho e me apresentar melhor àquela autora nova de um livro de auto-ajuda que eu comprei e esqueci no fundo da prateleira. E porque não me apresentar agora? Eu estava sozinha mesmo e ninguém me incomodaria com isso.

Foi o que fiz. Me joguei na poltrona do escritório, deliciosa como sempre, senti que ela queria me rejeitar porque há muito tempo eu não dava as caras por lá, mas me ajeitei carinhosamente e ela me abraçou. Comecei a desfrutar da leitura, mas antes tive que me desculpar pelo esquecimento...’Liz Miller, perdão por ter te abandonado...sabe como é, eu andava apaixonada...não tinha muito tempo para isso...mas prometo que jamais vou abandonar os meus livros...o meu ex namorado era aquele tipo de cara que não lê nem gibi...acho que me contagiei com isso sabe...sim, eu estou envergonhada sim...mas vou me redimir ok?’ Acho que a Liz aceitou o perdão e permitiu que eu desfrutasse da leitura que, por sinal, era maravilhosa.

Parei porque um barulho estranho dentro de mim soou um pouco forte. Minha barriga roncava. Eu estava com fome. O livro estava tão bom que nem percebi que a hora do almoço tinha chegado e que o meu café colonial de Danone e bolacha mofada não tinha sido suficiente. Mas comer o que? Confesso que estava um pouco preguiçosa de ir ao supermercado e depois cozinhar. Hmmm...o que fazer? Preciso pensar rápido. Já sei. Vou sair por aí e almoçar num restaurante bem legal. Será que as meninas vão topar?
A Betina não topou porque estava em um congresso e a Lili, cadê a Lili? Devia estar perdida em algum pernoite de motel. Não tem problema, vou sozinha e muito bem acompanhada de mim mesma.

Rodei a cidade até que me apaixonei à primeira vista por uma cantina modesta num bairro descolado da cidade e porque não?

- Mesa para dois? – perguntava o garçom.

Antes de responder, dei uma olhadas para os lados, amedrontada por alguém ter me acompanhado até o restaurante. Mas não. Era só eu e eu.

- Não, sou apenas eu mesma. – respondi sorrindo, apesar da estranheza do garçom em ver uma mulher sozinha em um restaurante tão descolado. E qual é o problema?

Pedi um prato suculento, uma sobremesa saborosa,uma, duas, três taças de vinho e me preparei para o melhor almoço da minha vida. Porque eu nunca tinha ido àquele restaurante? Ah me esqueci...passei os últimos anos da minha vida comendo pizza, hambúrgueres, esfihas, pipocas e outros fast foods mais no sofá da minha sala. Esqueci que meu ex achava um saco sair para jantar fora e encarar fila de espera, com ressalva à primeira vez que saímos e ele quis me conquistar e me levou num restaurante bacana. E também dos nossos aniversários de namoro, os quais eu insistia muito para que comemorássemos num lugar bacana e não comendo pizza na cama do meu apartamento.

Saboreei toda a comida, a sobremesa, o vinho, a música e, confesso, que saboreei com os olhos o gerente também. Um italiano, recém chegado ao Brasil, um ‘belo ragazzo’, mas eu não estava afim de prová-lo. Trocamos apenas algumas palavras no meu português italianado e só.

E agora o que fazer? Tenho a tarde toda pela frente. Voltar para casa? Acho que não. Já sei...uma sessãozinha de cinema cairia bem agora. Resolvi dar uma olhada no guia de filmes que estava no carro e escolhi uns três filmes que há tempo eu queria assistir, mas não tinha tido a oportunidade de ir ver. Filmes que o meu ex namorado odiava. Dizia que eram Cult demais, ou mulherzinha demais ou filme demais. Dane-se ele, agora eu ia assistir. E regada com um baldão de pipocas sem dividir com ninguém.
Eu estava tão feliz com o meu baldão de pipocas que nem me incomodei com os inúmeros casaizinhos que estavam na fila do cinema e com os amassos seguidos de beijos molhados trocados pelo casal à minha frente. Só sei que ri, chorei, comentei cenas comigo mesma. Foi uma delícia. Tudo sem ninguém me reprimir. Meu baldão de pipocas me entendeu muito bem.

Saí do cinema como (acho) se estivesse saído de uma sessão de descarrego espiritual. E, para recompor as minhas energias, me deixei levar pela vitrine de uma loja bacana que vi no shopping quando eu ia para o estacionamento. E porque não entrar e dar uma olhadinha? Relutei um pouco, mas como não ouvi aquela voz recriminadora ‘Outra blusa? Para que? Você não precisa! Depois reclama que está com o limite do cartão estourado.’. Entrei e não só provei, como comprei. Uma, duas, algumas peças de roupas.

- Seu namorado vai amar. – comentava a infeliz da vendedora ao embrulhar as minhas compras.

- Ele vai odiar. Até porque ele não existe. Mas quem se importa né? O importante é nos fazer feliz e o que sei é que eu amei!!! – respondi aliviada àquele comentário inútil.

Na volta para casa, resolvi dar uma paradinha na casa dos meus pais. Há tempos eu não os visitava. Afinal de contas, toda a minha programação do fim de semana se resumia ao que o ex queria fazer e raros momentos ele queria ir comigo visitar a sogra.

- Diana? Minha filha, o que houve? Você por aqui?

- Vim visitar vocês, ora. Por que o espanto,mãe?

- Nossa, que surpresa boa, filha. Entre. – dizia o meu pai.

A surpresa foi tanta que minha mãe preparou um verdadeiro banquete de café da tarde. O verdadeiro colonial que eu queria ter tido de manhã. Fiquei falando sobre a minha vida, sobre o quanto eu estava feliz, me justificando que eu não estava namorando e que só estava feliz poxa! Qual o problema de ser feliz na solidão?!

Saí de lá de noite. Falando em noite, a lua estava maravilhosa, o tempo também e convidativa a um passeio. E por que não tomar um banho, colocar o vestido novo e dar uma passada naquele barzinho que meu colega do trabalho está tocando? Ele já me convidou tantas vezes para ver a banda dele tocar, mas o meu ex namorado não curtia MPB e achava o programa um saco. Foi o que fiz.

Antes de sair, me olhei no espelho e me emocionei comigo mesma. ‘Nossa, como você está linda!’ disse à mulher que me olhava de dentro do espelho. ‘Obrigada. Me vesti para você’ ela me respondeu. ‘Nossa, eu não merecia tanto’, respondi. ‘A gente merece isso e muito mais. Arrasa’. E foi o que fiz. Arrasei.
Cheguei no bar, pedi um drink, sentei em uma mesa e curti o som. O show estava maravilhoso.

- Diana, que bom que você veio! – dizia o Pablo, meu colega. – Veio sozinha?

- Sozinha da silva. – respondi.

- Então me dê a honra de te acompanhar nesse drink?

Ele sentou-se à mesa e ficamos horas conversando e rindo. A gente trabalhava junto há tanto tempo, mas eu nunca tinha reparado no quanto ele era um cara divertido, engraçado e interessante. Esqueci-me que passei os últimos anos da minha vida sendo fiel A uma pessoa e me cegando as coisas boas que as pessoas tem a oferecer. Foi uma conversa inocente, sadia e muito proveitosa.

No fim da noite, terminei muito bem acompanhada. Coloquei aquele meu pijaminha leve que tanto adoro. Me olhei mais uma vez no espelho e deliciei-me daquela noite maravilhosa em minha cama ao meu lado. Acho que cheguei ao orgasmo de emoção. Excitei-me comigo mesma do dia prazeroso que fui capaz de me proporcionar.

***

- Nossa, Diana, onde você estava ontem? – perguntava Betina

- Aposto que estava muito bem acompanhada – palpitava Lili.

- Estava mesmo. – respondi – Estava com a melhor companhia do mundo...

- Nossa quem é o bofe? – perguntava Lili.

- O nome dele é Diana.

- Que papo mais estranho, Di? Tá virando a casaca é?

- Não, Lili. – respondi rindo da cara de pamonha das duas – Passei o dia inteiro comigo mesma. E quer saber? Foi M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O!!!! Há tempos eu não sabia o quão boa era a minha própria companhia.

As duas ficaram me olhando com cara de quem não entende nada e de quem achava que eu tinha pirado, mas não me importo. De agora em diante, só me importo comigo mesma e nunca mais dependo de ninguém para me fazer feliz.

PAPO DE CALCINHA: VOCÊ JÁ CURTIU UMA DOCE SOLIDÃO? DIVIDA COM A GENTE.

3 comentários:

Sabrina disse...

Adorei!!! São preciosos esses momentos de solidão. Que o ex se exploda!

Gigi disse...

Este é o post mais poético que já li neste blog. Muito bem escrito e envolvente, que faz pensar.
Gostei muuuito!

Beijinhos

jojo disse...

SIM!!!!
Sempre digo que o meu eu e o meu mim são companhias perfeitas!

AMO!!!

adorei o post... poetico e sincero!