segunda-feira, outubro 05, 2009

CADA UM NO SEU QUADRADO


Por Letícia Vidica


Aquele era um dos meses que minha conta bancária estava sorrindo. Eu havia recebido uma bonificação bem gordinha, por sinal, por um trabalho que fiz na agência. Por isso, resolvi aplicar a grana na reforma do meu apartamento que há muitos anos estava com a mesma cara, o mesmo tapete, a mesma parede e mesmo do mesmo me irrita profundamente. Resolvi radicalizar e reformar. Só tinha um probleminha. Eu teria que sair para que a reforma entrasse e para onde eu iria?

- Ai, amiga, você pode ficar lá em casa se quiser...vou adorar ter uma companhia para conversar - oferecia gentilmente Lili a sua casa.

Apesar do convite ter sido feito de forma tão doce e sutil, eu tive que recusar. Eu não aguentaria passar um mês entre as brigas e vai e vem da Lili e o Otávio. Docemente eu recusei.

- Di, se quiser já sabe né? Meu apê é pequeno, mas parece coração de mãe. - oferecia Betina com aquele seu jeito despojado.

Mesmo sabendo que eu e a Betinha tinhamos muito em comum e que eu escaparia das brigas da Lili e do seu sapo príncipe, sei muito bem o gênio que a Betina tem e seria briga na certa. Somos amigas, mas cada uma no seu quadrado é melhor.

- Diana, que história é essa de que você vai reformar o seu apartamento e não me fala nada?

Nem preciso dizer que era minha mãe me ligando e me cobrando porque eu não avisei que ia reformar minha casa. Apesar de estar fora da casa dos meus pais há anos, minha mãe ainda acha que tem domínio sobre a minha vida e fica desapontadíssima se eu não aviso a ela sobre os meus passos.

- Agora não vai me dizer que não vir para cá né?

Seria uma ofensa dizer não para a minha mãe, mas preferi ofendê-la do que passar um mês em meio a guerra.

- Gata, fica lá em casa. Não tem problema...
- Ah, Pi, mas e a sua mãe?
- Tá tudo certo...já falei com ela. Ela topou e já está te esperando.

Resolvi fazer as malas e me mudar para casa do Pierre. Achei que ia ser uma boa idéia, afinal de contas seria um mês mais próxima do meu gatinho. Não tinha como ser uma cilada, tinha?

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Cheguei de mala e cuia na casa do Pierre. A mãe dele me recebeu super bem como era de praxe. Me instalei no quarto do Pierre e na primeira semana bem que eu estava gostando da experiência. Trocávamos confidências, a mãe dele me tratava com o se eu fosse a filha que ela nunca teve, era Diana para cá, Didi pra lá, mandava a Neide (a cozinheira) todos os dias fazer o cardápio à minha moda. Confesso que até me espantei com tanta hospitalidade...

- Diana, meu amor, desça logo para comer porque eu mandei a Neide preparar um salmãozinho que eu sei que você ama!!!
- Hmmm...que delícia...não precisa tanto...
- Desse jeito eu vou ficar com ciúmes, mãe - lamentava Pierre com ciúmes do tratamento da mãe comigo.

Porém, tudo que é bom dura pouco né e com o passar dos dias aquela cordialidade toda começou a me sufocar...

...certo dia cheguei em casa (ou melhor na casa do Pierre) cansada, estressada depois de um dia estafante de trabalho. Subi para tomar banho e quando entrei no quarto cadê a minha mala? Minhas coisas haviam sumido!!!!

- Neide, você viu as minhas coisas?
- Ah, a patroa pediu que eu arrumasse no armário... e eu coloquei umas roupas para lavar também. Ah e sabe aquela sua jaquetinha rosa que estava na cadeira? A Meg comeu!!

Detalhe: quase todas as minhas roupas estavam lavando. Será que eu sou tão suja assim? Se não bastasse minhas roupas terem virado alimento da cachorrinha e estarem todas na lavanderia, minha querida sogra simplesmente se deu o direito de fazer uma triagem nas minhas roupas e mandou algumas para reforma, outras foram para o bazar beneficente das donas de casa sem nada para fazer , ganhei outras novas, ou seja, invasão total de privacidade. Tentei engolir essa, desceu com gosto amargo, demorei para digerir mas não quis criar conflitos porque eu era apenas uma visita e briga com sogra é coisa que toda nora deve evitar.

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- Ai, meninas, ainda bem que vocês puderam me ver. Eu precisava respirar.
- Nossa, Diana, o que foi?
- Ai, Lili, eu não aguento mais a mãe do Pierre. A veia simplesmente está me sufocando.
- Eu disse para você ficar lá em casa, mas você preferiu ficar na casa do gatinho!!!
- E eu ia adivinhar que ela era louca e sufocadora, Betina?!
- Mas o que aconteceu?
- Aconteceu que eu não tenho mais liberdade. Acreditam que ela reformou todo o meu guarda roupa? Jogou minhas roupas fora porque achou que estavam velhas e bregas. O que aquela perua entende de moda?! Deu aquele meu vestido de bolinhas retrô que eu amo para o bazar beneficente daquelas velhas sem ter o que fazer?!! Ai, meninas, vocês precisam ir no bazar recuperar o meu vestido!!! Sem contar que ela controla a hora que eu chego, que eu levanto, que eu saio, que eu como...fica ouvindo conversas minhas e do Pierre atrás da porta...eu não aguento mais...
- E o Pierre?
- Ah, o Pierre...ele é um palerma...não faz nada...só diz para eu ter calma que a mãe dele só quer me agradar...é mãe né? Ele nunca vai ficar contra ela.
- Então porque você não arranja uma desculpa e fica lá em casa?
- Ai, obrigada, Lili...mas eu não posso sair assim e só faltam duas semanas para reforma acabar... eu vou ter que aguentar esse inferno.

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Resolvi que não me abalaria com a falta de privacidade, mas estava cada dia mais difícil.
Era sábado. O Pierre tinha saído para jogar bola com alguns amigos e eu fiquei dormindo. Estava tão cansada que embalei no sono e nem vi que estava passando dos limites. Mas até aí eu não estava incomodando ninguém. De repente, fui acordada (ou enxotada) pela Neide com sua vassoura e minha sogra gritando atrás:

- Hora de acordar mocinha...está um lindo sol lá fora e você vai lá no bazar comigo.
- Bommm dia... - eu disse com a cara amassada - eu vou onde?
- No bazar comigo...já falei para todas as minhas amigas que você vai nos ajudar...
- Poxa, dona Mary, eu adoraria...mas hoje eu fiquei de fiscalizar a obra lá no meu apartamento...o pedreiro está me esperando...
- Ah, ele ligou aqui e já desmarquei com ele.
- Como assim a senhora desmarcou???!!!
- Desmarquei, meu amor. Você estava aí hibernando e como você vai comigo no bazar.
Como eu não tenho sangue de barata, resolvi atacar a velha.
- Como assim desmarcou e eu vou no bazar? Eu não vou a lugar nenhum!!! A senhora ficou louca? Só pode ser...como pode desmarcar um compromisso meu? Sabe muito bem que eu estou reformando o meu apartamento...
- Eu só quis te ajudar, meu amor...além do mais para que pressa de ir embora??? Acho até que você devia vender esse apartamento e se mudar para cá.
- Isso é uma piada né?

Nesse momento, Pierre chegou e pegou nossa conversa acalorada. Logo se tocou que estávamos trocando palavras nada carinhosas.

- O que está acontecendo aqui?
- A sua mãe - eu comecei a tentar me explicar, mas a minha sogra logo se intrometeu...
- Nada, filho. Besteira da Diana. Olha, Di, tô te esperando lá embaixo...vê se desce logo porque não podemos nos atrasar hein?

....

- Eu não aguento mais, Pierre. Eu vou embora!
- Como assim vai embora?
- A sua mãe...a sua mãe me sufoca. Você nao sabe o que ela fez...ela desmarcou com o pedreiro e está me obrigando a ir nesse bazar com ela...sem contar que ela doou as minhas roupas...se eu ficar aqui mais um minuto eu vou morrer sem ar...
- Você não acha que está exagerando, Diana? A minha mãe só quer te agradar...
- Exagerando eu?! Sua mãe não quer me agradar, ela quer me sufocar...olha eu amo você, mas se eu ficar aqui mais um minuto vai ser a morte do nosso relacionamento e eu não quero me desentender mais com a sua mãe do que eu já me desentendi.
- Dá um tempinho, gata. Eu vou falar com ela.

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O Pierre até falou com ela, mas nada adiantou. Ela começou a se fazer de vítima e tudo que ela fazia para mim se justificava que era para o meu bem, se eu não me incomodaria e dessa forma sobrevivi aos últimos dias.

- Obrigada pela estadia, dona Mary - eu disse aliviada e pronta para voltar para meu apartamento reformado em folha
- Que isso. Espero que tenha gostado. Sempre que quiser voltar será um prazer.
- Claro...- claro que eu jamais voltaria aqueles tinham sido os dias mais difíceis da minha vida.

...

- Oi, Di, o bom filho a casa torna? - dizia Betina ao telefone para saber como tinha sido o retorno para o apê
- Graças a Deus eu tenho casa para retornar né?
- Ué achei que você tinha gostado da vidinha a três (risos)
- Nem por brincadeira, Bê... eu amo o meu namorado, mas aguentar a mãe dele é amor demais para mim...só sei que eu aprendi uma lição...eu amo a minha privacidade e namoro a parte e melhor cada um no seu quadrado...hahahahahahaha

Papo de Calcinha: Você já passou por alguma situação semelhante ou teve sua privacidade diminuída por dividir a casa com alguém?

2 comentários:

Anônimo disse...

Já !! Morei na mesma rua que a ex falecida sogra e ainda deixei a chave com ela, afinal a sogra só queria dar uma mão e ficar de olho no pedreiro. Pior merda que fui fazer !!! E para pegar a chave de volta ?!?!? Que saia justa, pelo amor !!!

NUNCAAAAAAAAAAAAA MAIS !

Vivi Lolis

Diário de Solteiras disse...

Nunca, ainda bem! Porque ninguém merece, cada um no seu quadrado MESMO!
Gostamos muito do seu blog, sinta-se à vontade para participar do nosso.