domingo, março 16, 2008

HETEROGAY


POR LETÍCIA VIDICA


Depois que os homens descobriram a lipoaspiração, o implante de cabelos, o Viagra, os tratamentos estéticos e a palavra metrossexual, a vaidade passou a não ser apenas exclusividade do clube da Luluzinha porque o Bolinha se interessou também.

E como tudo tem dois lados, assim como a moeda, há uma vantagem e uma desvantagem nisso. A vantagem é que é bem melhor ficar com um homem de barba feita cheirando Pólo Ralph Lauren do que com um porco espinho exalando Lubrax. Porém, a desvantagem é que os homens que fazem parte desse clubinho ficaram mais sensíveis e criaram um novo gênero: os heterogays. Uma mistura de homem – pela preferência sexual por mulheres – e de gay – pela sensibilidade aflorada.

O Thomas foi um desses que passaram pela minha vida e foi por causa dele que descobri esse clube. A Lili havia ganhado um par de ingressos para uma exposição de arte de uma amiga dela. Eu nunca curti muito esse papo de arte, talvez pela ignorância, mas como para as amigas a gente faz de um tudo, eu fui.

Chegando lá, havia muitas pessoas que, só de olhar na cara, era fácil adivinhar que ganhavam 10 vezes mais do que eu e pertenciam ao clube dos VIPs. Eu parecia um peixe fora d’agua mergulhada naquele mundinho privado e naqueles comentários que eu não entendia, mas fazia cara de quem estava entendendo tudo e super interessada...

- Lindo esse não? Maniére, um dos meus pintores favoritos... a liberação do ser e o caos da Terra ... perfeito esse quadro, gosta dele também?

Olhei para o lado e me deparei com um deus de Ébano saído de algum daqueles quadros. Era o Thomas: 1,90 m, olhos cor de mel, pele queimada de sol e lisa como bunda de nenê, cabelos repicados numa mistura de gel com escova ou algo assim... Ele me estendeu as mãos e se apresentou.

- Thomas, prazer.
- Diana!
- Diana... nome lindo. Então gosta de Maniére?
- Eu ?! Adoro – eu não fazia a mínima idéia de quem era esse tal aí, mas para um homem lindo daquele, eu saberia tudo.

Thomas começou a me explicar tudo sobre esse tal Maniére. E fomos andando pela exposição e conversando. Ele disse que adorava arte, que colecionava quadros e que estava lá para comprar mais um. Ao final do passeio cultural, ele me deu seu telefone e disse que me ligaria para que a gente pudesse sair para jantar e falar mais sobre arte.

***

No dia seguinte, Thomas me ligou. Era a primeira vez que um cara me ligava um dia depois do encontro...

- Thomas?!
- Achou que eu ia demorar uma semana para ligar?!
- É, é...
- Jamais faria isso com uma dama. As mulheres não merecem esperar tanto.
Aquele homem não existia!
- Te pego às oito?

Eu estava ferrada. Nem tinha tido tempo de acessar o Google para pesquisar um pouco mais sobre o tal do Meniere, acho que é isso. O que eu ia falar naquele jantar com um homem tão culto? Porém, preferi esquecer da internet e investir no visu. Corri para o salão do Beto, fiz uma escova, tirei cutícula, fiz maquiagem, voei para casa, tomei um banho e às 19h55 meu interfone tocou. Era ele.

- É francês, né? Deixa eu adivinhar... Sherra?
Como ele havia adivinhado o meu perfume? Seria igual de alguma outra de suas amantes?
- Você está magnífica neste vestido vermelho da Portier.
‘Peraí, o cara acertou o meu perfume e a marca da minha roupa sem ao menos ver a etiqueta? Só podia ser um enviado de Deus.

Ele me levou para um dos restaurantes mais disputados da cidade e, ao chegar, nossa mesa já estava reservada à luz de velas, com vista para a represa e com um vinho que eu nunca havia visto na vida em cima da mesa. Além, claro, das centenas de talheres. Para comer, Thomas escolheu um prato com nome difícil mas, que segundo ele, era dos deuses. Enquanto o prato dos deuses não chegava, a gente conversava.

- O que você faz, Diana?
Eu não podia dizer que era modelo porque estava um pouco acima do peso.
- Sou publicitária. Trabalho numa agência no centro.
- Poxa, que legal... deve gostar de artes então?
- Claro, adoro (uma mentirinha não faz mal)
- Sabe aquele quadro do Maniere? Comprei. Você precisa conhecer a minha galeria de arte
- E você, fale um pouco de você...

Thomas tinha 35 anos, era diretor de uma multinacional, falava 4 línguas, conhecia o mundo inteiro, adorava arte... era tudo o que eu pedi a Deus. Em falar em Deus, o prato dos deuses havia chegado...

- Prove. Você vai adorar. O chef deste restaurante é incrível!... Fui eu quem o indiquei. O conheci num curso de gastronomia na Itália...
Era demais, ele sabia cozinhar. E eu que só sabia fazer miojo?!

O jantar foi maravilhoso e, ao contrário da maioria, ele me levou para casa e não insinou nada. Apenas me convidou para que eu fosse jantar na casa dele.

****

- Amiga, esse cara é gay... – dizia Betina
- Ah, não é pra tanto...
- Pensa bem, Di... o cara é super entendido de arte, sabe cozinhar, adivinhou o seu perfume, a marca da sua roupa... é muita sensibilidade para um homem só.
- Ai, Lili, ele só é diferente!

Minhas amigas adoravam teorizar sobre os caras que eu conhecia e aproveitaram aquela tarde para meter o pau no Thomas.

- Bem, hoje você vai tirar a prova dos nove né? Tenta dar uma escapadinha e veja se ele não tem calcinhas na gaveta! – ironizava Betina.

O Thomas havia me convidado para um jantar na casa dele. Casa não, isso é modéstia. Parecia mais um condomínio completo. Era linda, cheia de flores (!) e mais limpa do que o meu apê. Ao chegar, ele me serviu um vinho do Porto e ficamos a conversar na big cozinha dele, enquanto ele cozinhava.

- Nossa, acho tão bacana quem sabe cozinhar... eu não sou muito boa na cozinha...
- Nada que um bom curso de gastronomia não cure... eu não sabia fritar um ovo... prove, veja o que acha ? – dizia Thomas com uma colher de pau cheia de molho que ele levava à minha boca.
- Hmmm, delicioso! Ops... babei – que ridículo, eu babei.
- Seque aqui... nossa, você já fez pieling? Seria ótimo para a sua pele... eu faço um tratamento dermatológico toda semana ... é pele de bebê na certa.

Não podia ser. O cara cuidava da pele? Dermatologista? E ainda insinuou que eu tinha uma pele horrorosa? E não parou por aí, descobri que ele já tinha feito 2 lipoaspirações, malhava todos os dias, fazia progressiva nos cabelos e seu próximo plano era colocar botox nas bochechas. Acho que as meninas estavam certas. Ele era gay!

No final do jantar, ele me levou para conhecer a sua galeria de arte que devia ser do tamanho do meu apê. O tal do quadro do Maniére era apenas mais um dos centenas que ele tinha. Ele me passou umas duas horas falando sobre cada um deles, onde comprou, por quê, de quem era... todas aquelas aulas de Arte que eu cabulei na facul estavam sendo repassadas ali.

Lá pelas três da manhã, pedi para ir embora. Thomas pediu que eu ficasse. Arrumou o quarto de hóspedes para mim, que mais parecia um hotel. Ao dizer boa noite, cheirou os meus cabelos, adivinhou o meu shampoo e me beijou. Foi um beijo diferente, um beijo sensível... Nenhum homem tinha me beijado assim.

***
Pela manhã, acordei antes do sol raiar e comecei a andar pela casa para tentar achar alguma coisa que comprovasse a homossexualidade dele. Não havia encontrado nada. Nenhum bilhete romântico do Betão. Apenas muitos livros sobre arte e gastronomia e discos das minhas cantoras favoritas.

- Já acordada?! – disse Tomas, que me assustou e quase me fez cair dura, ao vê-lo de touquinha na cabeça, hobby vinho e pantufas nos pés.

- Perdi o sono. – disse encabulada ao ser flagrada mergulhada nos discos dele

- Esse é o melhor disco da Cher... Ela é demais, uma diva...

Tomamos nosso café da manhã ao som de Cher. E ele sabia todas as letras e não errava a pronúncia. Ele insistiu para que eu ficasse para o almoço, mas aquela sensibilidade toda já estava me sufocando. Saí de lá cheia de cartões de visitas e telefones de academias, esteticistas e cursos de gastronomia.

***

- Eu não agüento mais! Faz dois meses que eu estou malhando como uma louca, já procurei mil e um dermatologistas, estou vendo programas culinários, comprei um livro de artes... é demais para mim...eu me rendo... a concorrência é acirrada demais...não dá para competir com toda essa sensibilidade do Thomas ... o cara venera a Cher ... canta ‘Like a Virgin’ no banheiro ... faz as minhas unhas ... e até agora não me levou para cama... preciso dar um fim nisso.

- Realmente, amiga, o cara é perfeito, mas é perfeito demais, não acha?

- Olha, Betina... eu sempre pedi a Deus um cara como o Thomas, mas agora que eu tenho não é isso que eu quero ... eu não sei se ele é meu namorado, meu amigo, meu amante ... nem sei se ele gosta de mulher mesmo .... e se ele estiver querendo mudar de lado um pouco? Vai ver ele só ficou comigo para saber como é!

- Se eu fosse você, tirava essa angústia do peito e perguntava para ele, de uma vez por todas, se ele é ou não é!

E foi o que eu fiz. Segui o conselho da Lili e fui até a casa do Thomas. Chegando lá, ele se assustou com a minha presença pois estava numa sessão de massagens, mas educadamente pediu que eu entrasse. Tive que esperar uma hora, a mais angustiante de toda minha vida ...

- Oi, Diana, que surpresa – disse ele me dando um beijo – o que te traz aqui?
- Não dá mais, Thomas!
- O quê não dá?
- Tem uma duvida que está rondando a minha cabeça desde o dia que eu te conheci e eu não agüento mais esconder isso para mim.
- Quer saber se eu sou gay, é isso?
Como ele sabia? Será que tinha o dom de adivinhar pensamentos também?
- Todas sempre querem saber isso ... fico me perguntando para quê as mulheres lutaram tanto, queimaram sutiãs ... e quando conseguem o que tanto pediram se assustam.
- Mas nós não pedimos você!
- Todas sempre dizem isso. Mas a minha vaidade sempre incomoda a todas elas e o fim é sempre o mesmo. Elas vão embora e voltam para o mundo dos brutamontes.
- Desculpe, Thomas ... tente me entender
- É o que eu faço constantemente ... tento entender as mulheres, mas quando as entendo elas fogem de mim ... pode fugir também ... eu sei que você quer, mas para que não fique encucada... eu não sou gay ... amo as mulheres e tudo o que faço é para entendê-las ... você viu aquela foto lá na galeria? Minha ex-esposa ... fomos casados por cinco anos... cinco anos felizes, mas quando resolvi entendê-la, ela também se foi ....

Saí de lá super deprê. O Thomas havia acabado comigo. Talvez ele tivesse razão. Nós, mulheres, sonhamos tanto com um homem que nos compreenda, que repare quando cortamos dois dedos de ponta nos cabelos, que saiba cozinhar, que goste não só de falar de futebol... e quando o encontramos fugimos?!

Pensando bem, acho que vou continuar a fugir... talvez eu ainda prefira o homem das cavernas porque o que gosta da Cher, é demais para mim!

Papo de Calcinha: Você já se relacionou com algum homem que fosse muito sensível ou vaidoso demais? Já passou por situação semelhante?


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