segunda-feira, setembro 03, 2012

ESPÍRITO MATERNO


POR LETÍCIA VIDICA

- Diana, será que as crianças podem dormir na sua casa na sexta-feira que vem? - perguntava minha irmã, Marisa, enquanto aguardávamos o almoço de domingo na casa dos nossos pais.

- Claro! Sem problemas... vou adorar ficar com esses pestinhas - eu dizia, enquanto os meus três sobrinhos pulavam em cima de mim no sofá.

- Não vou te atrapalhar mesmo? É que o Arnaldo tem um jantar com fornecedores e me chamou para ir. Faz tanto tempo que a gente não faz nada né?

- Fica tranquila, mana. Cuidarei direitinho desses pequerruchos ...

- Meninas, o almoço está mesa. - era minha mãe quem chamava - Nossa, meu Deus, que bagunça é essa? - perguntava ao me ver sufocada pelos meus sobrinhos no sofá.

- Eles vão dormir na casa da Diana na sexta. - explicava Marisa.

- Ué, mas por que não deixa eles aqui com a gente? - questionava minha mãe não parecendo muito feliz pela opção.

- Ah, mãe... eu não quero ficar incomodando a senhora e o papai toda hora...

- Marisa, desde quando ficar com os meus netos é incomodo? Não tem problema nenhum... mas a Diana não vai sair? Ela não para em casa.

- Não, mãe, eu vou cuidar dos seus netos direitinho... - eu respondia já prevendo o que viria.

- Mas lá nem tem lugar direito para eles ficarem... e comida? Você tem comida decente na sua geladeira, Diana, ou só porcaria? Cuidar de crianças não é fácil hein - minha mãe disparou a dar um trilhão de recomendações sobre como ser mãe.

- Mãezinha, querida - eu disse calmamente para não entrar em conflito - Eu vou cuidar muito bem dos seus netinhos. Ao contrário do que a senhora pensa, eu não sou uma desmiolada. Já tenho idade e responsabilidade suficiente para ser mãe, mas se as crianças quiserem ficar aqui, tudo bem. Vocês querem? - provoquei.

Como criança é sincera, os três deram um sonoro não e pularam novamente no meu colo. Minha mãe saiu batendo as tamancas e eu fiquei a tarde toda puta da vida pela falta de confiança da minha mãe. Incrível como não importa o que eu faça, ela sempre me cutuca para dizer que sou irresponsável. Agora era questão de honra provar para minha mãe e para mim mesma que eu estava pronta para essa maternidade temporária.

****

- Diana, você não acha que tem bobagem demais nesse carrinho? - questionava Betina que tinha ido me acompanhar no supermercado nas compras para a visita dos meus sobrinhos.

- Ai, Betina, relaxa! Criança adora doces, chocolate, pipoca que eu sei... e eu quero que meus sobrinhos se divirtam. Vagem e brócolis eles comem na casa deles né? O que acha dessa batatinha frita? - perguntava.

- Ainda bem que é só uma noite... se não, coitados, estavam lascados. Era obesidade e diabetes na certa.

Antes que eu respondesse à altura para a vigilante do peso infantil, meu celular tocou. Demorei uns cinco minutos para encontrá-lo na minha bolsa. Era o Pierre que gritava do outro lado da linha.

- Diana, Dianaaaa... nasceu, nasceu!!!!

- Pierre, fala baixo por favor... quem nasceu? - eu perguntava ainda não entendendo o motivo da euforia.

- Diana, a minha filha nasceu. A Luiza chegou ao mundo... agora sim eu sou pai...

Pasmei. Eu sabia que depois de nove meses, a criança nasceria. Mas, inconscientemente, achei que a gravidez fosse eterna.

- Parabéns!! - eu disse, mas sem esconder a surpresa.

- Vem para cá!

- TÁ FICANDO LOUCO??? Pierre, não confunde as bolas. Eu estou no supermercado. Depois, a gente se fala.


- O que foi? - perguntava Betina ao me ver fora de órbita no meio do supermercado.

- A filha do Pierre nasceu.

- E por que ele te ligou?! O que você tem a ver com isso? O Pierre já tá passando dos limites hein?

- Pois é. - respondi ainda estática

- Tá com essa cara por que?

- Sei lá, Betina. O Pierre agora é oficialmente pai. E eu aqui no supermercado comprando doces para os meus sobrinhos. Literalmente, para titia. De repente, me deu uma vontade de ser mãe. - suspirei.

- Tá ficando doida também?!

O pior é que eu não estava, acho que esse mundo infantil que me inseri, me despertou isso. O lance era se eu estava preparada. E o teste ia começar no dia seguinte. Será que eu ia resistir?

****

Ding, dong. A campainha anunciava que meus sobrinhos chegavam. Abri a porta e os três entraram como uma boiada dentro de casa. O terrível do Gustavo, de 10 anos, foi logo se jogando no sofá; Ana Luísa, de 8 anos, queria saber o que tinha para comer e o Lucas, de 2 anos, já procurava algum objeto para destruir.

- Crianças, obedeçam a tia Diana hein? - recomendava Marisa.

- Fica tranquila, mana. A gente vai se dar bem. - era o que eu desejava.


- Quem tá com fomeeee? - eu anunciei para ver se baixava o pique da criançada.

- Tia, tem hamburguer? - perguntava Ana Luisa.

- É, a tia fez pizza e tem batata frita... e sorvete depois. Pode ser? - e eu achando que tinha acertado no cardápio.

- Tia, posso jogar videogame? - perguntava Gustavo já mexendo na minha tevê.

- Faz assim, Lulu vem me ajudar aqui na cozinha, Gu pode jogar sim... depois do jantar, eu aluguei um filminho para gente ver... Harry Potter!!! Uhuuu

- Ah, eu gosto mais do Crepúsculo - dizia Luisa.

Como eu não ia conseguir agradar gregos e troianos, deixei Gustavo e Lucas na sala e fui acabar o lanche com a Luisa. Enquanto eu e minha sobrinha nos divertíamos na cozinha, também fui sabatinada por ela.

- Ai, tia, é bem mais legal ficar aqui. - confessava ela. - Você mora sozinha?

- Eu moro sim.

- Mas e aquele moço... a senhora não tem namorado?

- Não , eu não tenho, Lu.

- Mas por que?

- Por que não.

Por que as crianças adoram fazer perguntas difíceis? Posso pedir ajuda aos universitários?

- Quando eu crescer, eu vou ter um namorado.

Eu desejo que seja fácil assim para você, Luisa. Mas eu não podia explicar para uma menina, de 8 anos, o quanto era longo o caminho para isso. Antes que ela continuasse a entrevista, fomos interrompidas pelo Lucas que abriu o berreiro na sala. Quando cheguei na sala quase tive um treco, ao ver o Lucas caído de barriga pra baixo e com a mão na cabeça. Pior ainda quando vi um pouco de sangue na mão dele. Pronto. agora vou assinar o meu atestado de óbito de maternidade. Fiquei aliviada quando vi que tinha sido apenas um corte pequeno.

- O que você fez, Gustavo? - berrei

- Ele queria o meu controle, tia. - respondeu marrento e cruzandio os braços

- Ele é pequeno. Vocês tem que aprender a dividir... se não , vou ter que desligar o game hein?

- Tia, que cheiro é esse? - perguntava Luiza

Esqueci completamente que tinha deixado a batata frita no fogo. Saí correndo para cozinha e cheguei a tempo de salvar algumas. Nem fazia três horas que eu virara mãe postiça e já estava enlouquecendo. Batatas salvas, pizza na mesa e pestinhas, um pouco mais domados, conseguimos jantar num minuto de paz. Um minuto mesmo.

- Credo, Lucas, que fedor!!! - era Gustavo que fazia careta e, mais uma vez, irritava o irmão que tinha feito o número dois nas calças.

Troquei o meu delicioso pedaço de pizza de quatro queijos para trocar as fraldas do Lucas. Se não fosse a Luiza me ajudar, eu não saberia. Demorou para criarem uma forma mais fácil de fazer isso! Depois da saga da fralda, perdi até a fome. Coloquei o DVD, começamos a nos lambuzar com sorvete e pude curtir um momento curto de paz. Eu estava tão cansada que comecei a cochilar no sofá. O Lucas também aproveitou e dormiu no meu colo. Fui acordada por uma briga entre Ana Luisa e Gustavo. Para irritar a irmã, ele ficava xingando o bruxinho do filme. Olha que criança mais educada!!!

- Vocês estão brigando de novo?! - acordei assustada - Olha, eu vou tirar o DVD hein.

- Ele fica me irritando, tia.

- Mentira, tia! - retrucava Gustavo.

Ingenuidade minha achar que o filme ia acalmar a rapaziada. Eram quase meia-noite e nada do sono bater na criançada. Não só o filme acabou como o Lucas acordou e começaram uma guerra de almofadas. E eu era o alvo. Ignorei totalmente a regra de silêncio do meu prédio, me preparei para a multa do condomínio e começamos a brincar de esconde-esconde e guerra de travesseiros, correndo pelo meu apartamento. Só lá pelas três da madrugada é que a galerinha pegou no sono. Dormimos todos amontoados na minha cama.

****

- Tia, eu estou com fome!!! - era Gustavo que me sacudia.

- Dorme, filho. Ainda tá cedo. - eu dizia virando para o outro lado

- Mas eu tô com fome... e o Lucas fez xixi na cama. - me alertava.

Acordei meio bêbada e, quando olhei no relógio, nem eram dez horas da manhã. Esse povinho não tem sono não? Lá fui eu, sem saber ainda muito bem que dia era, dar banho no Lucas e preparar o café da moçadinha. Nem dez da manhã e eu de barriga no fogão fritando ovo. Que vida!! Eu não aguento.

- Tia, vamos andar de bike no parque? - sugeria Gustavo. - Vamos vai?

- Eu preciso falar com a mãe de vocês. - eu dizia ainda digerindo o fato de ter mais um dia intenso daqueles.

- Eu ligo para ela, tia. - era Luisa quem pegara o meu celular e começara a ligar para Marisa.

- Me dá esse telefone aqui. Sua mãe nem deve ter acordado... - Alô? Marisa? - tarde demais, a ligação já estava feita - Nada, nada... fica tranquila... é que as crianças querem ir no parque. Ah, não tem problemas? - minha irmã concordou com a idéia e aposto que aproveitou para tirar a barriga da miséria com o maridão.

Três crianças e uma mãe inexperiente no parque não ia dar em boa coisa, resolvi levar a Lili a tiracolo. O problema é que ela era mais irresponsável que as crianças. Passamos o dia todo andando de bike, fazendo piquenique no parque. Foi uma experiência boa mas, no final do dia, eu estava sem pique.

- Nossa, Diana, tá morrendo? O que acha de irmos comer uma pizza com as crianças? - sugeria Lili.

- Lili, nem inventa. Eu tô só o pó. A estadia na casa da tia Diana já acabou. Eles tem pai e mãe. Tá na hora de devolver.

- Ai, credo! Cadê todo o seu espírito materno?! - ria

- Sumiu e já percebi que ainda não estou preparada para encontrá-lo. Falando nisso, vamos embora? Luisa, cadê o Gustavo?

- Não sei, tia. Ele estava aqui.

Era tudo que eu precisava. Perder o meu sobrinho em pleno parque. Saí feito uma louca atrás dele. Andamos por mais de uma hora e nada. Eu começava a ficar preocupada. Já me preparava para ser trucidada pela minha família. Acho que minha mãe estava certa: eu ainda não estou preparada para ser mãe.

- Diana, achei o perdido. - era Lili quem vinha com Gustavo a tiracolo. Ele estava todo sujo de lama.

- Onde você estava, menino? Não faz isso com a sua tia. Que roupa suja é essa? - eu enchia o garoto de perguntas.

Gustavo disse que tinha ido jogar futebol na quadra com uns garotos. Jurou de pés juntos que tinha me avisado e que eu não ouvi. Para ele, estava tudo normal. Para mim, era hora de entregar o bastão.

- E aí, Diana, deram muito trabalho? - era Marisa quem perguntava ao ir buscar os filhos.

- Muito, muito não ... só um pouquinho.

- Aposto que vocês enlouqueceram sua tia né? Muito obrigada viu?

- Tia, quando a gente pode ir na sua casa de novo? - era Gustavo e Luisa que me agarravam e suplicavam.

Como eu ia dizer que não? Eu jamais vou fechar a porta para os meus sobrinhos, mas entramos num acordo. Assim que eles entrarem na faculdade, podem voltar de novo. Até lá, preciso digerir esse papo de maternidade.

PAPO DE CALCINHA: COMO ANDA O SEU ESPÍRITO MATERNO?

2 comentários:

Mirella Gurgel disse...

Nossa ... que sufoco!! To de boa ainda desse espírito materno !! Agora fiquei boba com o Pierre, que cara mais sem noção, Jesus !!

Isa disse...

Rsrsrs! Adoro criança, mas com hora p voltar! Por enquanto meu espírito materno só funciona com os filhos dos outros, ñ estou preparada p ser mãe. Até curto brincar com elas, quer dizer, depende da criança, claro! E prefiro as de três anos em diante, são mais fáceis de agradar! B-jus.