sexta-feira, dezembro 09, 2011

aBAIXA FIDELIDADE



Por Letícia Vidica


- Ah, gente, duvido que aqui ninguém nunca traiu. Atire a primeira pedra quem nunca deu uma puladinha de cerca... não tem esse papo de fidelidade hoje em dia não!! – teorizava rindo e colocando o chope guela adentro, o gerente de marketing lá da agência, durante nosso happy hour de fim de ano.

- Alguém tem um tijolinho aí? Por que eu vou atirar em você, Mauricio... – eu dizia, abismada com tal declaração e mais abismada ainda com a naturalidade que meus colegas de trabalho a encararam.

- Não vem com essa, Diana. Pagando de santinha agora? – cutucava o motoboy – Vai dizer que nunca traiu o Pierre? Nem O Pedro?

- Não! E qual o problema?

É. Alguém pode me dizer qual é o problema de ser fiel hoje em dia? Não, porque tá tudo invertido. Trair virou um hábito tão comum e rotineiro como coçar o nariz ou ir ao banheiro. E qual o problema se eu eu ainda sou a favor da fidelidade?

- Amiga, ninguém é fiel hoje em dia não. Todo homem trai e até a mulherada trai também. – dizia a secretária lá da agência. Choquei porque ela tem cara de quem não é comida por alguém desde que o Brasil foi descoberto. Só que agora a mal comida era quem pregava o sermão em mim.

Nem preciso dizer que esse papo de trair e ser fiel foi o tema do nosso happy hour que entrou madrugada adentro. Deixamos até de lado as fofocas sobre os bastidores da agência, nem nos incomodamos de não falar nadica de mal do chefe ou de rir com as imitações do Dennis sobre o nosso chefe. E entre um chope aqui, um frango a passarinho acolá...quanto mais eu tentava defender a fidelidade, mais eu me sentia uma marciana.

***

- Agora que estamos só nós dois, Diana, pode confessar. Nunca foi ciscar em outro terreno? – perguntava Mauricio, que tinha me oferecido uma carona para casa porque o meu carro estava no rodízio.

- Já falei, Mauricio. Eu sou fiel. Doa a quem doer, eu defendo a fidelidade. Acho assim, se não tá legal, termina. Pronto.

- Mas, Diana, não é uma questão de estar legal ou não...veja o meu caso...sou muito bem casado há 10 anos, amo minha mulher, nem passa pela minha cabeça deixá-la, mas ... eu tenho desejos, curiosidades e acho extremamente normal transar com outra mulher... é da nossa natureza, Diana. – dizia ele enquanto esperávamos o semáforo abrir.

- Só se for da sua natureza né? Da minha não é. Mas e a sua mulher? Se ela pensar da mesma forma? – cutuquei o sabichão.

- Acho que não me importaria, mas sei que ela não pensa...

- Pimenta nos olhos dos outros é refresco, né, negão? Quem garante? Não é da natureza humana? Então...

- Confio no meu taco. – disse ele dando uma piscadinha para mim.

Seguimos o caminho em silêncio. Acho que o Mauricio ficou imaginando sua mulher com outro Ricardão na cama só para satisfazer os desejos da natureza humana e eu... olhava para os faróis dos carros com o pensamento distante ainda tentando digerir esse papo todo de ser fiel ou não. Distraída, assustei-me quando vi um carro parar ao nosso lado e ver um casal que se beijava ardentemente.

- A noite desses aí vai ser boa né... – comentava Mauricio.

- ‘Peraí, eu conheço essa mulher... não pode ser, Betina? – fiquei sem palavras quando vi que Betina era a danada da mulher que ia ter uma noite boa. Boníssima, por sinal, porque o carro arrancou e entrou rapidamente no motel que ficava na esquina.

Como assim a Betina tá saindo com alguém? Como assim não me contou nada? Vou tirar essa história bem a limpo, viu? Fiquei tão fula com a traição da Betina que nem percebi que tinha parado na frente do meu prédio.

- Bem, está entregue, senhorita. – dizia Mauricio, colocando as mãos nas minhas pernas.

- Obrigada. Desculpe o incomodo e as encucações... – eu dizia me ajeitando para tentar me livrar da mão dele.

- Que isso... Foi um prazer tentar você. – ele ria.

Fiquei paralisada com aquele sorriso. Sabe tipo cena de filme que fica tudo em slow motion, você não presta atenção em uma vírgula do que está sendo dito? Eu só via aquele sorriso. Por um instante, imaginei aquele boca beijando a minha. Diana, hello!!! Não é você que é a defensora da fidelidade? Isso, eu sou. Você não pode desejar o Mauricio!!! E o Pedro? Fui acordada pela minha consciência, me despedi rapidamente do Mauricio e entrei no prédio.

***

- Diana?

- Marisa? Tá fazendo o quê aqui essa hora?

Quase infartei quando ouvi a voz da minha irmã chamar enquanto eu ainda delirava com uma cena de sexo selvagem na porta do meu prédio com o Mauricio... Pensar também é trair? Bem, voltando.

Eram duas da madrugada e eu tinha agora a Marisa, minha irmã mais velha, chorando no sofá da minha sala. Ela estava desesperada de um jeito que eu nunca tinha visto antes. A Marisa sempre foi aquela fortaleza sabe? Meio mulher maravilha e agora estava ali desmoronando.

- O Arnaldo tá me traindo. Ele tem uma amante. – dizia ela ainda aos soluços.

Não sei por quê, mas não fiquei chocada com a declaração. Até que enfim, a Marisa acordou e percebeu isso né? Mas, agora, não era hora para julgamentos. Eu tinha que ajudar a minha irmã, mas fazer o quê? Afinal, sempre foi ela que me contou as histórias de fadas quando eu não conseguia dormir e achava que extraterrestres iam me levar. Eu não sei contar histórias de fadas.

- Marisa, acalme-se. Vai ficar tudo bem. E as crianças?

- Estão dormindo. Eu sai e vim direto para cá.

- E o Arnaldo?

- A gente discutiu muito. Ele tentou negar e tals, mas eu vi a marca de batom nas
camisas... eu vi...

- Você tem certeza disso? Ele tem mesmo uma amante?

- Eu vi com os meus olhos, Diana. Eu segui os dois. – despencava em lágrimas. – O que eu faço?

O que eu, a confusão em pessoa e a defensora da fidelidade que, até algumas linhas atrás, estava desejando transar enlouquecidamente com o Mauricio, o traidor, iria dizer para a fortaleza da minha irmã com um casamento, até alguns minutos, sólido, com filhos para criar...o que eu diria para ela fazer? Arrisquei no senso comum. Ofereci para ela uma cama quentinha, um chocolate quente, um banho quente, meu colo para ela deitar... e uma bela e boa noite de sono para curar as feridas. Se ia curar eu não sei, mas era o que eu tinha para dar. Enquanto ela dormia, ainda lutava com minha consciência para apagar a cena de filme pornô entre eu e Mauricio que reprisava na minha cabeça.

***

Era sábado e acordei cedo para preparar um café saboroso para a Marisa. EU queria agradá-la. Assustei quando a campainha tocou. Eram Lili e Betina. Depois da noite turbulenta, eu tinha me esquecido completamente que a gente tinha combinado de almoçar juntas.

- Meninas, não vai dar.

- Lá vem você com suas desculpinhas, hein, Dona Diana? – cobrava-me Betina.

- Não é isso...não é desculpa. Minha irmã tá aí. – sussurrei para não acordá-la.

- A Marisa? – berrou indiscretamente Lili.

Contei para as meninas sobre a traição do Arnaldo, o meu cunhado. Lili, a defensora do amor, claro que achou que minha irmã tinha que correr atrás do homem dela. Deixar o orgulho de lado. Já Betina para a minha surpresa, ao invés de dizer que todos os homens são canalhas, foi achando aquilo muito natural. E, numa espécie de Mauricio de saias, foi dizendo que ‘ a traição faz parte da natureza humana’.

- Será que faz parte porque a senhora anda aos amassos por aí às noites de sexta-feira e entrando em motéis de beira de estrada? – cutuquei.

- Do que você tá falando? – Betina tentou se fazer de desentendida.

- Te peguei no flagra, sabichona. Vi tudo. Vi você entrando ontem naquele motel...

- Quem era o bofe? –perguntou Lili.

- Eu não ia contar... mas tudo bem...eu to saindo com o Doutor..... com o Alberto. Um
advogado que trabalha no mesmo prédio que eu.

Lili e eu vibramos ao saber que Betina tava desencalhando, mas murchamos quando ela contou o histórico do Alberto: muito bem casado, pai de três filhos e com uma mulher linda.

- Você? Amante? Esse papel não combina muito contigo, amiga. – eu disse.

- Qual o problema? Eu só quero alguém para transar. Ele quer alguém diferente para se divertir. É isso que eu posso oferecer e é isso que ele pode me dar. Estamos quites. Sem cobranças. – dizia ela naturalmente.

- Mas ele é casado!!! Como assim, não tem problema? – perguntei abismada.

- Eu sei que ele é casado!!! Não precisa repetir. Eu sei e não quero que ele se separe. E nem ele pensa em se separar. É só um caso e pronto.

Isso mesmo, assim como você, ficamos sem palavras e, como sempre, chocadas com a declaração da Betina.

***

- Sabe de uma coisa, Marisa... – eu dizia a ela enquanto dividíamos um balde de pipocas assistindo a novela das seis no sofá do meu apê – Até que essa traiçãozinha do Arnaldo tem um lado bom? Faz tanto tempo que a gente não fica assim juntinhas né?
– abracei minha irmã querida como quem abraça um urso de pelúcia – daqueles que a gente dorme agarradinho na infância para se proteger.

- Você é doida mesmo, Diana. – ria Marisa com a boca cheia de pipocas.

Finalmente, minha irmã sorria depois daquela noite pesada. Aquele era meu conto de fadas para ela. Pelo menos, era assim que eu sabia contar. Continuamos a comer a pipoca e a assistir a novela. Na melhor parte, fomos interrompidas pelo interfone. Era o Arnaldo. Justo agora ele tinha que chegar?

...

Preferi deixar os dois a sós na sala para conversarem mas, claro, fiquei à espreita ouvindo tudo.

Primeiro, a Marisa soltou os cachorros nele. Adorei. Cobrou todos os anos de dedicação ao marido, aos filhos, o amor que ela tinha dedicado para ele... Depois, ele veio com a réplica dizendo que nunca quis deixá-la, que amava Marisa, que foi um fraco... Golpe baixo!. Acho que nessa hora, ela se deixou abraçar. Não, Marisa, seja forte. Não perdoe ele hein? Arnaldo depois veio com um papo estranho de que a culpa era da Marisa, que ela só dava atenção aos filhos, já não era mais a mulher alegre que ele conheceu, só queria ficar em casa, não era mais vaidosa e que nem lembrava a última vez que eles tinham transado... Como assim? Irmã, tenho que concordar com o cunhado... você pediu né? No final, Marisa assumiu que tinha errado, mas também cobrou Arnaldo. Os dois se beijaram, se perdoaram e voltaram para a casa juntos. E eu?

Apesar de ser defensora da fidelidade, eu compreendi. Compreendi tudo mundo. Afinal, quem somos, nós, para julgar? Quem sou eu para julgar o Mauricio que ama a mulher, mas a trai? Quem sou eu para julgar Betina por se contentar com o sexo que um homem casado pode oferecer a ela e nada mais? Quem sou eu para julgar Arnaldo por trair Marisa? Quem sou eu para julgar Marisa por perdoar Arnaldo? Quem sou eu para me julgar por desejar Mauricio?

É, minhas amigas, esse negócio de trair, ser fiel...é complexo demais, mas uma coisa é certa: faz parte da natureza humana rs...rs...rs

PAPO DE CALCINHA: E, VOCÊ, TAMBÉM ACHA QUE A TRAIÇÃO FAZ PARTE DA NATUREZA HUMANA? JÁ TRAIU ALGUÉM? AINDA ACREDITA NA FIDELIDADE?

5 comentários:

Anônimo disse...

Me desculpe mas não acho que trair é humano, nessa vida ninguém é obrigado(a) a ficar com ninguém, acho que fica claro o que é respeito e fidelidade. Até o amigo de Diana ficou sem palavras quando fosse com ele... pois é não é legal imaginar isso acontecendo com agente.... Agora trair e achar que pode se justificar no "defeito do outro" acha justo? Todos tem defeitos.

Joyce disse...

Temos que tomar muito cuidado com o que significa "traição". Trair é só sair com a outra pessoa sem o outro saber? Pode ser. Mas, existem outras formas de trair. O marido que joga o prato de comida no chão por estar "estressado"; o marido que promete há quase dez anos passar a casa no nome da esposa e no último instante "dá pra trás", dizendo que não, que quer deixar para os filhos do outro casamento; enfim. São exemplos que eu presenciei e que considero muito mais traição do que se esses homens tivessem saído discretamente com outras mulheres. Talvez esse seria o menor dos males.

E outra, desejar e fantasiar não é o mesmo que trair. Nós desejamos, fantasiamos e queremos a todo instante. É diferente de vc ir lá e concretizar tudo isso.
Vai por mim, é muito pior reprimir!

jeane disse...

julgamentos a parte sou traidora incorrigivel, tudo comecou pelo medo que eu tinha de dedicar fidelidade a alguem e ser correspondida com traicao, mas isso me custou a capacidade de amar, nao consigo amar ninguem e quando me relaciono sempre traio, afinal se eles podem nos tbm podemos.

Mel Silva disse...

Vixi, fiquei sem entender.
Logo a Betina que sempre vem com sermão quando a Diana fica com homem casado.
Essa historia de que todo mundo trai, é a da mesma teoria que se algum joga lixo no chão todo mundo tem que jogar.
Não é assim que funciona, cada um tem que fazer sua parte.
Sou contra a infidelidade.

Ana Cláudia Marques disse...

Caronas: um olho no padre e outro na missa. Quando cheguei na parte em que ela e o Mauricio começam a discutir fidelidade no carro, pensei: "lá vem cantada..." E não deu outra!